sexta-feira, 20 de abril de 2018

Depoimentos II


Olá, eu sou o Jefferson. Eu não gosto do meu nome. Me apresento como Jeff. Meu nome foi minha mãe que escolheu. Ela achava bonito. Dizia que o nome parecia grande, porque o som se estendia no final, Jefersooonnnnn. Ela sempre me chamou pelo nome inteiro. Nada de abreviação ou apelido. Era engraçado, porque quando a gente brincava na rua, meus amigos achavam que ela estava sempre brigando comigo porque chamava pelo nome completo. A gente sempre se deu bem. Sou filho único, mimado. Mas nem sempre as coisas são como eu quero. Aliás, as coisas são como ela quer. Eu tenho pena dela, sozinha, posso aceitar o que ela pede, fazer do jeito dela. Fiquei noivo há um ano. Quero casar, mas não posso deixar minha mãe sozinha. Por mim eu levava ela junto. Minha noiva me mata se souber que eu penso nisso. As mulheres são complicadas. Gostam de briga. Ou se juntam pra brigar, ou brigam uma com a outra. Minha noiva diz que a gente tem que ficar casados de dois a três anos antes de ter filho. Fala que é pra curtir a vida de casado. Mas eu, por mim, tinha filho logo. Isso ia ajudar minha mãe a se ocupar um pouco, já que eu vou sair de casa. Por que as mulheres são tão complicadas? Tudo tem jeito certo, prazo certo. Eu não entendo as mulheres, mas não vivo sem elas. Quer ver que quando nascer o filho, vai ser menina?

Sou Jurandir. Adoeci feio nesse ano. Problemas em tudo quanto é órgão. A velhice é um fardo. Jovem quando fica doente, ou sara logo, ou morre. Velho adoece e fica cada dia pior. Não quero morrer, mas carregar dor no corpo, remédio de hora em hora, medo na alma, isso também não é vida. Estou mal, nem lembro mais das histórias boas da vida. Acho que é por isso que minha morte tá longe, porque eu não tenho nem ilusão, nem nostalgia. Se ela estivesse aqui do lado, eu tava me enganando. Mas ela tá longe e eu tenho que olhar todo dia no espelho. Não fui um homem bonito, mas tive meu charme. Hoje, sei que tenho um cheiro estranho. Nem é falta de banho, porque eu até gosto de uma boa chuveirada. Tenho uns amigos que só tomam banho quando a esposa reclama. Eu não. Sou bem metódico, tenho rotina, mas pra quê? Hoje a rotina é pra dar conta de tanto remédio. Sinto falta de conversar, de ver criança brincando na rua, de ouvir a alegria das pessoas no parque. Não tenho vontade de sair de casa, mas se fico por lá, apodreço. Meu irmão me mandou um cartão postal. Foi viajar para o sul, Gramado. Me escreveu, porque acha que tem que me animar. Eu gostei, era uma paisagem bonita e ele escreveu com carinho, me chamou de ‘mano’. Ele voltou e a gente nem se viu. É, a gente tem família para isso, para escapar da solidão. Mas quando a gente se junta, briga. É pesado demais conviver com tanto sentimento forte. Laços de ternura, laços de família, nós de amor. Eu queria amar de novo.

Nem quero me apresentar, tenho vergonha de mim, sinto culpa pelo que passa na minha cabeça. Minha vida é assim, um fracasso. Mas nem acho a vida uma merda. Sou meio molecão, não quero responsabilidades. Durante o dia revezo meus pensamentos entre comida e sexo. Gosto de comer bobagens, coisa que hoje dizem que não é saudável. Eu dou risada, porque ouvindo, o mesmo vale para o sexo. Adoro mulher, de todo tipo. Olho as mulheres na rua, no trabalho, só penso em putaria. A real, é que não tenho muito mais o que pensar na vida, almejar. Já tive relacionamentos mais sérios, mas toda vez que fico pra valer com uma mulher, me dá vontade de trair. Se estou sozinho, não quero saber de compromisso. Moro na casa da minha família. Tem gente que diz que é um favor que eles fazem pra mim. Mas eu que cuido da casa. Meus pais morreram, mas nem quero pensar nisso. Prefiro dizer que sou doente, tenho depressão. Mas eu sei que não, porque o que eu quero, eu faço. O difícil pra mim é amar. Parece que tem gente que quer demais o meu bem. Eu não entendo o por quê disso. Se eu não to fazendo nada de bom pra pessoa, não tem porque querer o bem pra mim. Eu sou só, eu vivo só, e eu só quero isso.

Tatiana de Freitas, Tati. Adoro a vida, meu corpo, meu esporte. Sou tenista. Já entrei em muitas competições. Ganhei, perdi, estou aqui. A idade vai chegando. O rendimento vai baixando. Minha mãe continua me pentelhando. Ela pega no meu pé desde menina. Queria uma filha campeã. Parecia fazer de tudo para mim. O mim é a medalha e não eu, esta pessoa que fala. Ela já está pensando no meu futuro. Se eu devo ser treinadora ou professora. Eu quero outra coisa. Quero casar, ter filhos, vida tranquila. Mas ela nem me deixa namorar. Tive uns rolinhos com outros tenistas, ou meninos com quem estudei, mas nada segue, porque ela interfere e proíbe demais. Já pensei em fugir de casa. Me matar nunca! Mas me mutilo, às vezes. Coisa boba, só pra ter um medinho. Furo meus braços com a ponta do compasso. Da ponta dos dedos até o ombro. Quando ela vê, eu digo que foi sem querer. Ela me chama de estabanada. Ela sabe, só pode saber. Fico no quarto a maior parte do tempo que estou em casa. Já tive romances com meninas. Aliás, estou apaixonada. Quero casar e ter filho, mas com a Evelin, que é quem eu amo. Ela também me ama. Tem trabalhado e juntado grana pra gente fugir. O irmão dela, o Robson, vai ser o doador para nossos filhos. Ele é um bom irmão, e um amigo para mim. Eles perderam os pais cedo e se ajudam muito. Moram juntos. Acho que vamos morar na praia, vai ser bom. Quando eu sair de casa, minha mãe nunca mais vai saber de mim.

Simone de Paula abril / 2018

 

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