sexta-feira, 2 de março de 2018

Comida de rua

Comida de rua tem em todo lugar e todo mundo gosta e come.Tem lugares que a gente arrisca, outros não. 
Confesso que na minha cidade eu não como muito na rua. Mas, tem o cheiro do yakisoba da porta do metrô faz minha boca salivar.
Agora eu tenho uma história boa pra contar. É do amigo de um amigo meu. Eu sei, você já tá com aquele riso maroto no canto da boca e as palavrinhas formando a frase na sua cabeça: “amigo do amigo, tá bom...” Não te condeno, eu pensaria o mesmo. Mas, seja lá como for, é o seguinte, o cara só comia na rua, adorava. Nem pensava em mudar nada disso. Era livre para comer quando e o que quisesse, e ainda gastava pouco. Comida de rua mesmo, é simples e barata.
Ele foi uma criança feliz em uma família em que a mãe cozinhava com esmero. Certo dia, conta meu amigo, a mãe dele morreu e finalmente ficaram só ele e o pai em casa. Foi aí que ficou complicado,  porque nem ele e nem o pai tinham imaginado um dia ficar sem a mãe. Isso poderia dar uma história linda como a do filme Hanami, mas não, a coisa não teve poesia, só a boa e velha praticidade mesmo. Durante dois anos após a morte da mãe, comeram juntos poucas vezes, mas os dois usavam a mesa da cozinha para fazer o  sanduíche de pão com queijo, no café-da-manhã e no jantar. O pai se virou bem, almoçava todo dia na casa da irmã mais velha, que o adotou diante da viuvez. Família sempre se ajeita e irmão serve pra isso. Mas o Vitão, não tinha irmão, era filho único e agora nem sabia a quem recorrer, porque o pai, tinha se virado, mas não ia chamar ‘marmanjo’ pra ir junto. Meu amigo, o Zeca, gosta de ressaltar essa parte do marmanjo, porque para ele, pai é vilão. E, no caso do Vitão, fica fácil dramatizar assim. Não acho que o Vitão se incomode muito, não, porque ele comeu pão com queijo todo dia, duas vezes por dia,  durante dois anos e ainda gosta disso. Mas a saga continua, porque Vitão resolveu sair do emprego e o restaurante por quilo em que comia,  saiu do seu quadrilátero. Com o novo emprego,  como representante comercial,  ele rodava a cidade, passou a ver a rua com frequência, sentia que ali era o seu lugar. Tá com sede? Camelô, boteco ou padaria. Tá com fome? Hot-dog, salgados ou pizza. E, se quisesse uma extravagância,  tinha também fruta. E de sobremesa, sempre encontrava um ‘japa doces’ pra comer seu chocolate habitual. A vida tava boa para Vitão. Nisso se foram uns quatro anos. O pai resolveu ir morar com a irmã para cortar despesas, porque a aposentadoria não durava até o final do mês e Vitão ficou no olho da rua. Foi morar no quarto extra da casa do Zeca, se conheceram ali. Mas a empresa achava o Vitão pouco agressivo para uma praça como a de cidade grande. Mandaram Vitão pro interior do estado. Ele foi e lá começou sua tristeza. Não teve morte de mãe ou despejo de casa que se compararam a não encontrar comida rápida facilmente. Ele sentia fome e tinha que ir a restaurantes. Os gastos aumentaram. Os gostos diminuíram. Vitão deprimiu. Se ele não vendia muito na cidade, no interior e deprimido, menos ainda. Mas cão sem dono sempre tem quem adote. Julinha era a atendente da padaria do seo Mané. Vitão conseguia pelo menos ali, o pão com queijo. Ia lá todo dia e ouvia a Julinha perguntando sobre as vendas. Vitão achava a garota bonita, mas não tinha ânimo pra nada, muito menos para namorar. Julinha, como toda moça esperta, notou que ele comia sempre a mesma coisa e resolveu perguntar o que era a comida preferida dele. Foi abrir a porteira que a boiada rebentou no pasto, como diziam na cidade. Vitão contou tudo que gostava de comer e de tudo que não tinha na cidade. Julinha assumiu a missão de tirar Vitão da depressão. Todo dia era almoço e jantar na casa dela. Ela aprendeu a fazer todo tipo de gulodice que ele tinha comido na vida. Vitão se animou, passou a oferecer os produtos com mais empenho e as vendas aumentaram muito. O gerente, vendo tal mudança de performance, ofereceu uma vaga para Vitão voltar pra cidade grande e com promoção. Vitão ficou tentado. Como ele nem tinha notado a importância da Julinha, e sua cozinha, na vida dele, ele achou que o mérito da promoção era exclusivamente dele e resolveu aceitar a proposta. Voltou. Zeca, meu namorado (confesso), agora não tinha lugar pra ele em casa. Pediu asilo para a tia, mas o pai recusou que ele fosse morar com eles. Vitão alugou um quarto em uma pensão, não tem com quem falar, mas ainda está matando a saudade da comida de rua e as vendas seguem. A gente só não sabe se isso acaba um dia. 


Simone de Paula - 02/3/2018

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