sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Dí me

"Dí me, mi amor.."
A frase insistiu muitas vezes durante as cinco horas de viagem. Cada toque de celular era substituído pela voz potente e imponente do motorista com a frase caprichada: "Dí me mi amor".
Da primeira vez que ouvi, achei estranho, mas procurei entre os passageiros quem estava falando naquele volume tão cedo pela manhã e num veículo coletivo. Olhei, olhei, e vi que era o próprio condutor, dirigindo e conversando tranquilamente com 'mi amor', durante o trajeto. Aqui, com nossas leis rígidas de uso de celular e as leis rígidas de trânsito, tive uma pontinha de receio em saber que para aquele motorista, o apelo da sua amada era mais importante do que qualquer outra coisa, mesmo a segurança dos passageiros. 
Relaxei, não iria levantar e avisá-lo que não se deve atender o aparelho enquanto dirige e muito menos conversar longo tempo nessa situação.
Olhei a paisagem, quase cochilei, mas notei mais uma falação. Quem estava no maior bate-papo naquele ônibus? Lógico, o motorista. Mas ele não falava mais ao celular, mas sim com seu parceiro, seu substituto. Em uma viagem de cinco horas, dois motoristas levam o veículo e se substituem na única parada do caminho. Divertido, no mínimo. Era uma conversa animada, discutiam algum ponto que não dava para entender direito pela língua estrangeira e a rapidez com que falavam. Mas, o melhor não era o bate-papo durante o trajeto, mas conversar olhando nos olhos um do outro, com a estrada logo ali na frente. Ou seja, dirigia sem olhar. Mais uma surpresa, mais uma coisa diferente e inesperada.Mas, não parou por aí. 
Na parada, a única da viagem, depois de um café-da-manhã reforçado, era hora de trocar de posto. O companheiro de papo assumiu o volante e nosso personagem 'dí me', deitou confortavelmente no primeiro banco, recostou a poltrona que estava reservada para ele e dormiu feliz. Agora, a fala dava lugar ao ronco. Os pés para o alto, a cabeça bem apoiada, o banco rebaixado, o silêncio e a temperatura certa do ar condicionado. Tudo perfeito. E o ronco, esse também demonstrava que ele estava mais do que tranquilo. O sono era interrompido vez ou outra pelo toque do celular e a amada ligando perguntando por onde ele andava. Durante todo o trajeto, nós passageiros, éramos informados do local exato em que transitávamos, pois 'mi amor', queria saber. 
Fim da viagem, descemos do ônibus e imaginei que isso era apenas a excentricidade de um motorista. Que nada, a cada trajeto realizado, uma particularidade mais divertida do que a outra. Entre compras de produtos do interior e marmitas de comida para a refeição seguinte, vimos muita coisa divertida. 

Simone de Paula - 08/02/18

Obs. - Ocorrido durante a viagem de Havana a Trinidad, em Cuba

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