sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A voz

Estava fadada àquele destino. Se escondia atrás de véus, de trapos, tudo em vão.
O som da voz denunciava sua essência, a alma que a habitava.
Nunca soube direito se escolhia as imagens que vestia para esconder ou revelar (rebelar) melhor a face verdadeira do seu desejo. Sofria quando era tomada por essa face, mas era inevitável, pois não tinha controle sobre a musicalidade, o timbre, a singularidade daquilo que saía da sua boca. O que entra se controla, o que sai, não se sabe.
Os anos passaram, ela começou a brincar mais com o que tinha em volta, só então se deu conta que a revelação morava justamente onde ela não tinha acesso e nem controle. Aceitou, mas será que poderia se apropriar disso? Talvez se conformar com ocorrência imprecisa? Curtir a brincadeira que isso trazia, seria a melhor forma de tomar para si o que era verdadeiramente seu. 
Mas se não sabia de onde vinha, apesar de sair pela boca, e também não tinha controle, será que pertencia a ela mesmo? Se era no olhar do outro, no desejo despertado no outro, não pelo que este via, mas pelo que ouvia e se manifestava nele, era dela mesmo ou do outro?

Mélange, essa era a palavra mais precisa para dizer disso. Com significado de mistura e sonoridade de melado, a palavra desvelava aquilo que ela talvez provocasse quando falava. Uma mistura entre desejo de um e desejo de outro, provocando demandas indizíveis em busca de prazeres nem sempre possíveis.

Simone de Paula - 21/12/2017

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