sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Me tiro daqui

Eu só fiquei doente pra fugir do que eu não queria fazer. Descobri isso hoje, olhando pela janela e sentindo um sufocamento desconcertante. 
Aonde chego, olho em busca de janelas, mesmo que eu tenha acabado de chegar da rua, atravessado a porta de entrada. É como um escape para os olhos, o refúgio para respirar. Não respiro só pelas narinas ou pela pele, mas respiro pelos olhos. Minha mente precisa de ar, muito ar. E esse ar não vem apenas do próprio elemento, da brisa ou do vento, mas ele chega pelas imagens, pelas ideias que as imagens entregam. Mas voltando, olhei pela minha janela fechada, senti o sufocamento e pensei: preciso sair daqui. Eu ia sair, já tinha um dia de compromissos, mas naquele momento, olhando três pessoas pegando o ônibus na esquina, o vento soprando nas árvores e balançando os vidros, tudo isso me parecia uma prisão, porque eu estava aqui dentro, livre, solta, mas ainda aqui dentro. 
Eu já sabia que um recurso para evitar o que eu não queria fazer era adoecer. Mas eu não fui uma pessoa doente, pelo contrário. Até inventei umas quatro caxumbas para não participar de festa junina ou desfile de sete de setembro. Cada situação desagradável dessas me pedia um recurso. Confesso, eu tinha poucos recursos de recusa, mas vez ou outra, a dor de garganta se convertia em caxumba. Não era só doença inventada, parecia de verdade porque doía. 
Eu também tive a dor de ouvido que era de verdade verdadeira e me impedia de ir para o mar e para a piscina, minhas paixões eternas. 
Isso me ensinou que inventar doença é uma coisa que a gente deve usar com parcimônia, porque quando é de verdade, te impede de fazer o que quer muito. Logo, funciona como o avesso do direito. Além do que, ainda podia ser um castigo divino por ter mentido. Mas sabe que esse deus aí, que castiga, nunca colou muito, porque quem castiga é gente viva, encarnada. Não tenho medo nem de fantasma, nem de assombração, e de deus, menos ainda. 
Na infância, penso agora, minhas dores se concentravam na garganta e ouvido, me impedindo de engolir, de ouvir. Um pouco mais velha, as amigdalites chegaram, e além de engolir, me impediam também de falar. Depois, veio algo mais enigmático, o lado de trás, as costas, que me limitavam o andar. Olha que coisa, eu querendo fugir e meu corpo me impedindo de ir, fazendo ficar. 
Resolvi muitos problemas, mas novos insistem em inaugurar um desconhecido em mim. Eu digo sempre pro meu analista que eu devia ser melhor nessas estratégias, porque o que era para ser uma boa mentira com ganhos satisfatórios, se torna verdade de um jeito meio tosco e me sobra problemas para resolver. Vou sair daqui antes que meu tornozelo comece a doer.


Simone de Paula - 05/11/2017

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