sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O fio da loucura

Carlinhos podia ser considerado o 'rei do camarote'. Era um bon vivant que vinha de família abastada. Um solteirão convicto. Festas, farra, bebidas, jogos e mulheres. Cenário padrão de novela de televisão. Carlinhos não precisava ser original, encarnava o personagem. Mas essa fama toda foi desmontada no dia de sua morte.
Carlos Otávio, o Carlinhos, tinha mesmo uma família abastada. Ainda moço, com seus vinte e três anos, casou com a namorada de juventude,  Viviana. Tudo como mandava o figurino: famílias se conheciam e aprovavam o relacionamento. Era a promessa de um futuro sólido. 
O pai de Carlinhos apressou o casamento, porque já tinha percebido que o filho não queria saber de trabalho. Acreditou que Viviana, e a condição de casado, exigiriam do filho uma mudança de atitude. 
Passada a lua de mel, voltaram para a casa nova e começaram uma vida de jovem casal. Ele, saia para trabalhar de manhã, depois do café preparado por Viviana, e voltava no final do dia. Ela ficava em casa, só sonhando com os filhos que viriam. Um retrato perfeito. 
Três meses se passaram e ela estava grávida. Carlinhos já animado com o salário gordo que o pai se encarregou de pagar, resolveu comemorar com os amigos. Ali começou a vida paralela do 'rei do camarote'. Aos sábados e domingos, ele ficava com a família. Mas durante a semana, duas ou três noites, eram dele. Para Viviana, os pais dela e os dele, a desculpa era o esporte ou a reunião com um grupo de outro país, exigindo um horário diferente do usual, O pai dele sabia que ali tinha alguma coisa, mas fazia vista grossa. 
A vida correu e Viviana se divertia tendo filhos, cachorro, gato, compras, tudo que pudesse esconder os hábitos de Carlinhos. Do lado de fora, ele curti a noite da cidade e esbanjava o dinheiro polpudo que ganhava. Amantes, bebida, uma droga aqui e outra lali, só pra sair do comum. Chegava em casa com tudo escuro e todos dormindo.
Nessa roda-viva, ele conheceu Verônica, aquela que o fez  passar a primeira noite inteira fora de casa. Paixão e vício ao mesmo tempo, ele não queria largar essa mulher. 
Verônica tinha a vida dela, os amantes dela, o dinheiro que tambem vinha da família. Ela era a ovelha negra no seu meio. Falava a língua de Carlinhos, era do mesmo mundo e do mesmo submundo. Era uma mulher inteligente e controlava tudo ao seu redor. Ele, um menino crescido, que escorregava nos próprios desejos. 
O tempo passou rápido e a esposa notou que ele só voltava para casa para trocar de roupa uma vez por semana, mas trazia uma mala com trocas de outros dias. Pediu explicações e ele usava os clientes de fora. Ela falou com seus pais. O pai dela falou com o sogro, pai dele. Era preciso fazer alguma coisa. Resolveu conversar. Carlinhos ouviu a conversa do pai, mas não queria que se metessem na história dele. Ele sabia que o pai iria proibir a relação e afastar Verônica dele. Mentiu descaradamente para o pai. O pai sabia que era hora de pressionar de outra forma, tirando o pagamento de salário. Carlinhos enlouqueceu, brigou esperneou. Sem resposta positiva, se afastou de Verônica. O dinheiro voltou. O desejo voltou. Verônica também voltou. O ciclo seguiu por longos dois anos. Ele se afastava por três meses e ficava com ela por seis. Cmtrolado, fazendo de conta que não estava, mas não conseguia seguir assim por muito tempo e mostrava novamente que tinha tido a recaída. O pai teve a última conversa séria com ele e disse: chega, não aceito mais. Demitiu o filho e acabou o dinheiro. Ele não podia deixar a mulher nem os filhos, mas não tinha como sustentá-los. Pediu uma ajuda para Verônica. Ela aceitou uma vez, duas e no final de 2 meses, estava sustentando Carlinhos e a família dele. Ela não se importava e nem exigia nada dele, mas tinha para si os limites bem definidos. Carlinhos vivia agora no maior descaramento da sua vida. Não dava satisfações a ninguém. Quando queria, ia para casa, ora a sua, ora a de Verônica. Mas as noites eram nos bares e na curtição. Verônica tinha suas amigas e compromissos. Aceitava a situação, porque sabia sempre onde ele estava e o que fazia.
Ela chegou em casa perto das 11 horas. Tinha ido ao cabelereiro porque tinha um almoço naquele dia, com a amiga próxima com quem estudo. Ela se arrumava muito para esses encontros. Todas exibiam marido e filhos e ela exibia beleza e elegância. Chegou do salão e deu de cara com os sapatos de Carlinhos no meio da sala. Ele não tinha dormido lá. Ela achou estranho, imaginou que Viviana o tinha colocado pra fora de casa pela décima vez. Foi entrando no quarto, mas viu perto da porta uma echarpe carmim e sentiu o ódio subir pelo seu peito e chegar até os seus olhos. Abriu a porta e viu o que era de se esperar, ele com uma mulher desconhecida na cama dela. Cega de ciúmes, pegou a arma que tinha ganhado do tio, que sabia que uma mulher sozinha devia se proteger. Cutucou a moça que assustada com a arma, saiu correndo sem roupa mesmo. Não fez barulho, não poderia falar com ele. Se assustou com os três tiros que disparou contra o peito de Carlinhos. Soltou o corpo no chão, a arma ainda entre as mãos e esperou, sabia que em breve a casa dela estaria cheia de gente investigando a cena do crime. 
Polícia, vizinhos, Verônica levada para o saguão enquanto os policiais avaliavam o apartamento e removiam o corpo. O tio chegou para ajudá-la, foi a única ligação que ela fez antes de ser presa. Ela pediu para ele dar dois telefonemas, um para Viviana, informando da morte do marido antes da polícia. E o outro, para a amiga, caso ela não fosse liberada a tempo de comparecer  ao almoço. Assim que o tio saiu do lado dela, uma vizinha histérica começou a acusá-la de todos os nomes que conhecia. Estava insandecida e incitava a raiva das pessoas do prédio. Ela era mulher de Alfredo, primeiro amante de Verônica. Ela foi morar naquele prédio para facilitar os encontros dos dois. A mulher sabia e agora era a hora de descontar toda araiva e orgulho ferido da esposa traída. A cena foi horrível, a polícia tentava conter o espancamento de Verônica,  enquanto esperavam o IML para levar o corpo. Tudo levou menos de dez minutos. Verônica, algemada, não pode reagir. A mulher ensandecida, vingou os anos de submissão ao marido que ela tanto odiava. Os vizinhos, muito preocupados com a moral do prédio, encontraram um jeito de se livrar da imoralidade daquela moradora. O silêncio só se fez com o grito forte e grave do delegado quando ele chegou ao saguão e viu tudo aquilo. Não tinha mais o que fazer, o IML levou dois corpos. O tio informou Viviana, que sorriu ao saber que o marido tinha morrido. Ela estava livre dele agora e como viúva, seguiria sua vida deforma mais justa. No fundo, agradeceu Verônica, primeiro por não deixar que ela e os filhos passassem fome e depois por ter lhe restituído a liberdade. Quando o tio viu a sobrinha morta, sentiu profundamente, ele odiava a sociedade puritana em que viviam naqueles tempos. Ligou para amiga e a informou que Verônica não poderia almoçar com ela. A amiga agradeceu o contato e operguntou o motivo. Ele contou toda a história e informou que o velório seria no dia seguinte.

Simone de Paula - 22/9/2017

Comto inspirado na música 'Miss Otis', de Bryan Ferry, e com cara roteiro de novela da globo.

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