sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Brown and Black

Cabelo brown, Olhos brown, Sobrancelha brown, Delineador brown, Rímel brown, Batom brown...

... Ahhhhh, batom brown...

Vestido brown, Biquini brown,Sapato brown... Opa, espera aí!

Tem também o Black, Sapato black, Calça black, Saia black, Mulher black

... Continente negro....Dizem eles.

.... Somos África....Dizem elAs.

Write!
Escreva in Brown and Black!

(Leia de novo em voz alta, sinta a sonoridade das palavras, os silêncios dos intervalos das letras, o ritmo do seu corpo e a musicalidade da sua voz. Goze!)

Simone de Paula - 24/9/2017



Obs - esse texto veio do encontro inflamado com Hélène Cixous, num domingo, 7 horas da manhã, num final de semana exaustivo. Ela despertou meus demônios, não tinha mais cansaço. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Próximo, de perto.

Querido,
Um amor não se sustenta sem lealdade a nós mesmos
estamos cansados de sermos agredidos pelos nossos espelhos
somos tão reais quanto a fala dura e repetitiva
posso dizer que não abraços não são desejados
que a liberdade eu não via porque a temia ainda hoje
os calcanhares estão prontos para caminhar sem a dor de sino batendo

um tempo até o barulho cessar enquanto grita. Extremo. Rude. Em gotas.

Maria Laura

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O fio da loucura

Carlinhos podia ser considerado o 'rei do camarote'. Era um bon vivant que vinha de família abastada. Um solteirão convicto. Festas, farra, bebidas, jogos e mulheres. Cenário padrão de novela de televisão. Carlinhos não precisava ser original, encarnava o personagem. Mas essa fama toda foi desmontada no dia de sua morte.
Carlos Otávio, o Carlinhos, tinha mesmo uma família abastada. Ainda moço, com seus vinte e três anos, casou com a namorada de juventude,  Viviana. Tudo como mandava o figurino: famílias se conheciam e aprovavam o relacionamento. Era a promessa de um futuro sólido. 
O pai de Carlinhos apressou o casamento, porque já tinha percebido que o filho não queria saber de trabalho. Acreditou que Viviana, e a condição de casado, exigiriam do filho uma mudança de atitude. 
Passada a lua de mel, voltaram para a casa nova e começaram uma vida de jovem casal. Ele, saia para trabalhar de manhã, depois do café preparado por Viviana, e voltava no final do dia. Ela ficava em casa, só sonhando com os filhos que viriam. Um retrato perfeito. 
Três meses se passaram e ela estava grávida. Carlinhos já animado com o salário gordo que o pai se encarregou de pagar, resolveu comemorar com os amigos. Ali começou a vida paralela do 'rei do camarote'. Aos sábados e domingos, ele ficava com a família. Mas durante a semana, duas ou três noites, eram dele. Para Viviana, os pais dela e os dele, a desculpa era o esporte ou a reunião com um grupo de outro país, exigindo um horário diferente do usual, O pai dele sabia que ali tinha alguma coisa, mas fazia vista grossa. 
A vida correu e Viviana se divertia tendo filhos, cachorro, gato, compras, tudo que pudesse esconder os hábitos de Carlinhos. Do lado de fora, ele curti a noite da cidade e esbanjava o dinheiro polpudo que ganhava. Amantes, bebida, uma droga aqui e outra lali, só pra sair do comum. Chegava em casa com tudo escuro e todos dormindo.
Nessa roda-viva, ele conheceu Verônica, aquela que o fez  passar a primeira noite inteira fora de casa. Paixão e vício ao mesmo tempo, ele não queria largar essa mulher. 
Verônica tinha a vida dela, os amantes dela, o dinheiro que tambem vinha da família. Ela era a ovelha negra no seu meio. Falava a língua de Carlinhos, era do mesmo mundo e do mesmo submundo. Era uma mulher inteligente e controlava tudo ao seu redor. Ele, um menino crescido, que escorregava nos próprios desejos. 
O tempo passou rápido e a esposa notou que ele só voltava para casa para trocar de roupa uma vez por semana, mas trazia uma mala com trocas de outros dias. Pediu explicações e ele usava os clientes de fora. Ela falou com seus pais. O pai dela falou com o sogro, pai dele. Era preciso fazer alguma coisa. Resolveu conversar. Carlinhos ouviu a conversa do pai, mas não queria que se metessem na história dele. Ele sabia que o pai iria proibir a relação e afastar Verônica dele. Mentiu descaradamente para o pai. O pai sabia que era hora de pressionar de outra forma, tirando o pagamento de salário. Carlinhos enlouqueceu, brigou esperneou. Sem resposta positiva, se afastou de Verônica. O dinheiro voltou. O desejo voltou. Verônica também voltou. O ciclo seguiu por longos dois anos. Ele se afastava por três meses e ficava com ela por seis. Cmtrolado, fazendo de conta que não estava, mas não conseguia seguir assim por muito tempo e mostrava novamente que tinha tido a recaída. O pai teve a última conversa séria com ele e disse: chega, não aceito mais. Demitiu o filho e acabou o dinheiro. Ele não podia deixar a mulher nem os filhos, mas não tinha como sustentá-los. Pediu uma ajuda para Verônica. Ela aceitou uma vez, duas e no final de 2 meses, estava sustentando Carlinhos e a família dele. Ela não se importava e nem exigia nada dele, mas tinha para si os limites bem definidos. Carlinhos vivia agora no maior descaramento da sua vida. Não dava satisfações a ninguém. Quando queria, ia para casa, ora a sua, ora a de Verônica. Mas as noites eram nos bares e na curtição. Verônica tinha suas amigas e compromissos. Aceitava a situação, porque sabia sempre onde ele estava e o que fazia.
Ela chegou em casa perto das 11 horas. Tinha ido ao cabelereiro porque tinha um almoço naquele dia, com a amiga próxima com quem estudo. Ela se arrumava muito para esses encontros. Todas exibiam marido e filhos e ela exibia beleza e elegância. Chegou do salão e deu de cara com os sapatos de Carlinhos no meio da sala. Ele não tinha dormido lá. Ela achou estranho, imaginou que Viviana o tinha colocado pra fora de casa pela décima vez. Foi entrando no quarto, mas viu perto da porta uma echarpe carmim e sentiu o ódio subir pelo seu peito e chegar até os seus olhos. Abriu a porta e viu o que era de se esperar, ele com uma mulher desconhecida na cama dela. Cega de ciúmes, pegou a arma que tinha ganhado do tio, que sabia que uma mulher sozinha devia se proteger. Cutucou a moça que assustada com a arma, saiu correndo sem roupa mesmo. Não fez barulho, não poderia falar com ele. Se assustou com os três tiros que disparou contra o peito de Carlinhos. Soltou o corpo no chão, a arma ainda entre as mãos e esperou, sabia que em breve a casa dela estaria cheia de gente investigando a cena do crime. 
Polícia, vizinhos, Verônica levada para o saguão enquanto os policiais avaliavam o apartamento e removiam o corpo. O tio chegou para ajudá-la, foi a única ligação que ela fez antes de ser presa. Ela pediu para ele dar dois telefonemas, um para Viviana, informando da morte do marido antes da polícia. E o outro, para a amiga, caso ela não fosse liberada a tempo de comparecer  ao almoço. Assim que o tio saiu do lado dela, uma vizinha histérica começou a acusá-la de todos os nomes que conhecia. Estava insandecida e incitava a raiva das pessoas do prédio. Ela era mulher de Alfredo, primeiro amante de Verônica. Ela foi morar naquele prédio para facilitar os encontros dos dois. A mulher sabia e agora era a hora de descontar toda araiva e orgulho ferido da esposa traída. A cena foi horrível, a polícia tentava conter o espancamento de Verônica,  enquanto esperavam o IML para levar o corpo. Tudo levou menos de dez minutos. Verônica, algemada, não pode reagir. A mulher ensandecida, vingou os anos de submissão ao marido que ela tanto odiava. Os vizinhos, muito preocupados com a moral do prédio, encontraram um jeito de se livrar da imoralidade daquela moradora. O silêncio só se fez com o grito forte e grave do delegado quando ele chegou ao saguão e viu tudo aquilo. Não tinha mais o que fazer, o IML levou dois corpos. O tio informou Viviana, que sorriu ao saber que o marido tinha morrido. Ela estava livre dele agora e como viúva, seguiria sua vida deforma mais justa. No fundo, agradeceu Verônica, primeiro por não deixar que ela e os filhos passassem fome e depois por ter lhe restituído a liberdade. Quando o tio viu a sobrinha morta, sentiu profundamente, ele odiava a sociedade puritana em que viviam naqueles tempos. Ligou para amiga e a informou que Verônica não poderia almoçar com ela. A amiga agradeceu o contato e operguntou o motivo. Ele contou toda a história e informou que o velório seria no dia seguinte.

Simone de Paula - 22/9/2017

Comto inspirado na música 'Miss Otis', de Bryan Ferry, e com cara roteiro de novela da globo.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O açougueiro

José saiu da sua terra em busca de oportunidades. Levou consigo o pouco dinheiro guardado durante toda vida. Já tinha quarenta anos e não podia mais esperar. Com três camisas, duas calças e algumas fotos de família, entrou num navio cargueiro rumo ao país que acreditou ser promissor. Qualquer lugar seria melhor que ali, onde tinha sofrido desde pequeno.
Os pais de José trabalharam na terra, assim como seus avós e bisavós. A família nunca saiu de lá e viveram de sol a sol cuidando da roça e esperando o dia seguinte. José teria seguido o mesmo destino, mas os tempos mudaram, grandes fazendeiros se encarregavam de abastecer as cidades e as vilas. A pequena produção agora estragava na cozinha de José. O irmão mais velho vendeu as terras, dividiu o dinheiro entre todos os cinco filhos e cada um seguiu seu rumo.
José foi para a cidade mais próxima e procurou trabalho. Não sabia fazer nada, mas lavar pratos e chão, ele sabia. Era cidade de porto e ele via diariamente as pessoas chegando e saindo. Ele já não tinha terra, raiz, nem vínculos, era hora de partir.
Durante a viagem ajudava os marujos, queria ser útil, fazer amizades, saber como era a vida de um marinheiro que não tinha parada. Olhava como faziam com os peixes. como pescavam, limpavam e cozinhavam. Era divertido, meio nojento, mas ele se fascinava estranhamente pelas facas e cortes. Sentia tesão quando o cozinheiro do navio rasgava de ponta a ponta aquele peixe prateado com o olho vidrado. Toda noite dormia mal, num canto do convés, em cima de sacos de mantimentos. Sonhava com partes de corpo, partes de casa, partes de bicho. Ele se fascinava de dia com os cortes e sonhava à noite com as partes.
Chegou em terra firme, desceu do navio e andou a esmo. Batia nas portas dos bares pedindo emprego, queria fazer qualquer coisa. Foi contratado por um açougueiro que precisava de alguém para fazer o trabalho pesado. Ele passava o dia levando peças enormes de boi para dentro do frigorífico, limpava as bancadas cheias de sangue e sebo e ainda esfregava o chão todo final do dia, antes de ir embora.  Alugou um quartinho perto do trabalho e desmaiava toda noite. Os sonhos continuavam, mas agora eram tripas, pedaços de ossos e sangue, muito sangue. Ele não se assustava com esses sonhos, pelo contrário, acordava excitado e pensava que precisava achar uma mulher para casar. Foi ganhando a confiança do açougueiro que o ensinou a cortar a carne, prepará-la para ser vendida, aproveitar o máximo do animal. Ele treinava bem e decidiu, seria um açougueiro assim que se casasse.
Começou a namorar uma aqui outra ali. Mulher dá trabalho, pede atenção, cobra presentes. Ele já era velho, não tinha mais a paixão da juventude e não tinha muita paciência para as exigências femininas. Se viu com um problema, pois sem mulher ele não conseguiria ter força para ter o próprio negócio. Aceitou casar com Ângela, que tinha se incumbido dele como nenhuma outra. Ela levava as camisas dele pra lavar na casa dela, pois sabia tirar a mancha de sangue e gordura. Ele sujava muito as roupas, mesmo trabalhando de avental. Ela ainda dizia que ele precisava cuidar da barba e do cabelo e comer melhor à noite, para ter menos pesadelos. Ele contava seus sonhos e ela achava que eram terríveis.
Casaram e foram para a cidade vizinha. Com o apoio do patrão, o açougueiro, ele montou seu negócio - Casa de Carnes Corte Sagrado - e devolveu o empréstimo em um ano. Trabalhava duro, feliz, satisfeito com as facas e cortes.
Com filho pequeno, ele trabalhava até tarde para dar conta do negócio. Confiante, não via problemas em ficar aberto enquanto os comerciantes vizinhos iam para casa no final do dia.
Um dia, numa sexta-feira, já perto das sete da noite, dois rapazes tentaram assaltar o açougue de José., ele olhou e pensou nos marinheiros que enfrentavam tempestades e o mar bravo, dominavam peixes-espada enormes, eram corajosos e acima de tudo, ótimos manejadores de facas. Lembrando das cenas da viagem, lançou mão do facão que estava em cima do balcão e acabou com a raça dos bandidos. Demarcou um território, ali ele não seria roubado, nem naquele dia, nem nunca.
Ângela soube do ocorrido e ficou com medo. José a tranquilizou. Os vizinhos comerciantes o parabenizaram pela coragem.  Ele ficou feliz, tinha um solo. Os filhos cresceram e os sonhos continuavam. José avisou a mulher que um dia ele partiria, que seria marujo, não podia ficar preso tempo demais num único lugar. Quando o filho mais velho fez 15 anos, ele passou a chave do açougue para o menino, pegou a mala com três camisas, duas calças, fotos antigas e novas e se despediu daquela vida do porto seguro. Seguiu para a cidade em que desembarcou e se despediu do antigo patrão, agradecendo a acolhida. Reencontrou um antigo amigo, Vladimir, que estava no barco que ele veio e manteve contato desde então. Subiu no navio e percorreu o mundo com eles. Viveu aventuras, agora com seus sessenta anos, sem tanta força, mas com toda a experiência da vida. Ficou nessa vida por dez anos. Navegou pelos sete mares. Escrevia num diário tudo que passava. Mandava cartas para Ângela em cada porto que parava. Mas a aventura parecia se repetir e agora ele sabia, era hora de voltar para casa. Desembarcou num dia de domingo, ensolarado e encontrou a família que o esperava. A mulher sorria, o filho mais velho, de mãos dadas com uma moça jovem e barriguda, já seria pai em breve, e os pequenos tinham crescido. José voltou para sua família, sabia que ali a raiz era tão firme que ventania nenhuma o levaria embora para sempre.

Simone de Paula - 15/09/2017


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Mutações

Já fui queijo, provocando o desejo dos ratos, se protegendo pelas garras da ratoeira.
Já fui rato, que flerta com o queijo, medindo o risco que corre quando cede à tentação.
Já fui gato, que caça ratos pelo prazer de dominar e aniquilar. E ainda ganha de brinde a atenção do dono, que recebe um presente que indica o jogo duplo entre ser domado e não se deixar aprisionar.
Já fui dono de gato, aflito por não ter posse total do meu bicho e curioso sobre o que tem o rato de tão especial que chama a atenção do gato. 
Me fartei de queijo, tentando entender a natureza do rato e aliviar a minha impotência sobre meu próprio gato. 
Pouco importa quem mexeu no meu queijo, porque afinal, a roda gira e na busca de respostas sobre a impossibilidade de alienar um gato, volto a ser queijo, mirando o rato.

Simone de Paula - 05/9/17


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

E de tudo, nada ficou.

Te deixo agora, nessa manhã fria de outono, sabendo que o melhor e o pior que pudemos ter,  já tivemos.
Adorei e odiei você por muito tempo, na esperança de que um dia esses sentimentos opostos pudessem se encontrar na calmaria do amor.
Nada foi em vão, jamais diria isso. Sentir é o que de mais humano posso ter. 
As sensações do corpo, os sentimentos da alma, os sentidos do espírito, guiaram minha razão desnorteada pelos mistérios do desejo e da paixão. Fui mulher no mais íntimo de mim. Te revelei aquilo que só você poderia saber e ainda guardei muitos segredos para os dias que nunca chegarão.
O turbilhão incessante dos meus momentos de vigília calou, abrindo espaço para um vazio há muito esperado. Notei que gostei, mas ainda não queria voltar à mesura que me faz lúcida, polida e educada. Te conservei não por você ou pelo futuro, mas por mim e o passado. 
Hoje decidi, já posso abrir mão, porque tudo que passa pela minha vida, tem apenas esse sentido, ser parte dessa vida.

Simone de Paula - 31/08/2017