sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Escape

"Sinto muito, eu não posso te indicar a saída."
De Dédalo escapando do próprio Labirinto à Ofélia do filme Labirinto do Fauno, as histórias estão repletas de personagens que encontram suas saídas. Aprisionados à realidade, engessada por pequenas carências ou sucessos mínimos, diante da morte, eles inventam um novo modo de agir em si, sendo levemente "sartreana".
Eu também achei minhas saídas. Não que tenham surgido assim, na minha frente, como portais mágicos de soluções fáceis. Hoje as reconheço como ofertas de movimento e desvio. Mas nas ocasiões, pareciam apenas um modo de distração. 
Tenho ouvido muitas vezes nesses tempos, ‘diversão não é distração. 'Não se distraia demais com aquilo que te diverte.’ Será? Concordo com o poeta, "toda paixão me diverte". Alguém deve ter dito, " me distraio nos teus olhos". Nos olhos não me distraio, mas na tua voz sim.
Olha lá, até concentrada no tema, tentando escrever das saídas, escapo aqui e ali, dispersando o foco e abrindo janelas de prazer nos devaneios.
Bem-aventuradas as crianças que brincam. 
Sim, primeira saída. O universo infantil é o campo da brincadeira. Lúdico e circunscrito pelo entendimento dos limites do possível. Criança quando brinca, vive de verdade a fantasia. Lá ela tem tudo que viu na realidade e imaginou a partir do mundo simbólico e onírico. Entre sonho e realidade, fantasia e invenção, eu criança determinava lugares e personagens, criando as cenas que seriam vividas de forma muito mais iludida na vida adulta, como se fossem verdades. Me iludo hoje. Quem não?
A brincadeira continuava e a leitura apareceu. Incentivada na família, porque se fazia isso para entreter crianças e por habito de adultos. Tudo simples como histórias contadas e lidas. E gibis, e claro. Daí foi um passo para conhecer uma pequena biblioteca de escola. O ambiente místico, silencioso, convidando ao encontro com o mais íntimo daqueles que leem e escrevem. A entrada no mundo das letras foi mais uma saída diante dos impasses e limites da penosa vivência encarnada.
As coisas não se sucediam, substituindo-se umas pelas outras. Se somavam. 
Chegou a música, imponente, soberana, única. Ainda hoje é o ponto mais sensível de todos, caso de vida ou morte. Saída triunfal, diversificada, garantindo o mundo solitário e inteiro no qual eu vivia nas minhas brincadeiras. Bem, isso não é bem verdade nas brincadeiras. Bem de vez em quando, elas podiam ser solitárias, mas com três irmãos, muitos primos, amigos, vizinhos, brincar só era raridade. Acho que por isso a música foi inicialmente compartilhada e hoje é meu escape mais delicioso e solitário. Eu, meu fone, e todo mundo ao redor.
Sempre parece que está bom, mas a alma insiste em se perturbar. O coração dói, a cabeça discorda, o corpo não adequa e lá vamos nós, encontrar mais uma forma de deslizar. O cinema desde sempre foi entretenimento da minha geração e foi meu grande caso de amor na faculdade. Até hoje nunca estraguei esse amor vivendo o relacionamento. Fazer cinema me levaria a odiá-lo, vendo todos os defeitos que quando se convive a gente enxerga. E lá, naquele mesmo tempo e espaço de paixões, a Arte colou na minha e não nos soltamos mais. 
Troquei as brincadeiras inventivas, por rotinas tediosas. Adulto acredita que é adulto e brinca mal. Antes mesmo de Saturno me agarrar, eu já sabia que eu teria que sair de mais um labirinto em que eu tinha me metido. Demorou, mas achei na Astrologia um nome. O tal Saturno me prendia, construía paredes. Arranjei outro - aqui posso até escolher, mas fico com a dupla Marte / Plutão - pra derrubar tudo. Fiz. Mas essa saída não foi completa, porque entre eu e os astros, eu e os Outros, eu continuava em mim. Sem as respostas para aquilo que em mim eu não entendia como eu. O encontro fulminante e inevitável com a psicanálise aconteceu. 
As paredes sobem de tempos em tempos, redefinem os caminhos limitadores do mundo, exigem de mim novos escapes. Variações em cima disso tudo, no gosto marcado e decidido.  
Incrivelmente eu não escrevi nada disso ouvindo música, mas deixei o silêncio, acompanhado dos sons do mundo, guiarem minhas ideias.

Simone de Paula - 16/8/2017


artista Maia Fiore

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