sexta-feira, 30 de junho de 2017

De uma queda foi ao chão

Gosto tanto desse verso da canção popular chamada ‘Terezinha de Jesus’, que resolvi contar essa breve história das minhas férias  de verão.
Tinha acabado de começar o inverno no Brasil e eu escapei do frio escolhendo passar férias na Europa
 Sim, eu sei, parece esnobe, mas não é. Me interesso pelo mundo, pelas pessoas, quero sabet do que está além do meu quintal. Não sou religiosa e nem gosto de futebol, não crio inimigos nos diferentes. Tenho planetas na casa 9 do meu mapa natal, planetas importantes, dispositor do meu sol e regentes do Ascendente e Meio do Céu, só vivo na minha cidade de origem pela minha Lua de casa 4. Mas voltando...
A viagem estava sendo deliciosa: lugares, coisas; pessoas...
Desde o primeiro hotel, em Zagreb, na Croácia, lugar que sonhei conhecer e nem sabia que aconteceria tão rápido, encontrei a piscina do hotel, interna, aquecida, pronta para nadar.
Em Split a rotina continuou e ainda tinha saunas. Diversão do fim da tarde antes do jantar.
Em Hvar, cheguei ao paraíso. Encontrei a dupla perfeita mar-piscina pronta para me receber.
Fiz tudo como de costume: maiô, cabelo preso, chinelos, toalha. Mas, à beira-mar, nem sempre a natureza pode ser controlada. O limo ensaboou a pedra, as havaianas não seguraram o liso do chão e minha queda provocou a dor e o pavor na palma da minha mão. Tremor, sangue, preocupação. A toalha molhada denunciava o sangue que escorria da ponta dos dedos. Sentei,  senti, suspirei, me decepcionei.
Incerta sobre uma fratura, fui ao hospital e tive duas gratas surpresas: 3 plantonistas croatas, lindos evidentemente, e nada quebrado.
Antes de tudo isso eu tinha acordado com um pouco de dor no ombro. No caminho da piscina, minha panturrilha anunciou uma contratura. Finalizei com o tombo bobo que me deixou com uma mão enfaixada, muito inchaço, dor e incômodo.
Os dias passam, tudo vai voltando ao normal.

Simone de Paula – 30/6/2017



quinta-feira, 29 de junho de 2017

Navegável

Estava na mesa de jantar
falei do monstro

Ele não avisa nada, chega e sempre é aquele velho conhecido
se renovando com a ingenuidade dos que o invocam, acho
Você já sabia e ainda crê imensamente que tem o poder de evitar
Tola

Proponha uma conversa
que tanto me exige que eu não vejo?
Por que se repete?
Tanto tanto

Foi quando a Mel lembrou do Guimarães Rosa
“Todo abismo é navegável a barquinhos de papel”


Hora de dormir

sexta-feira, 23 de junho de 2017

O redemoinho

O redemoinho
A situação toda foi do pavor ao alívio e tudo durou poucos segundos.
O sofá era completamente confortável. E eu deitei. Mas minha ansiedade não me permitiu ficar assim. Sentei e falei em uma velocidade enorme. As palavras saiam e eu as ouvia, sem conseguir segurá-las. A vertigem foi tomando meu corpo, me derretendo. Fui desfalecendo. Eu via a minha imagem, meu rosto, se desmanchando. A boca escorrendo e as palavras não se articulavam mais. Sentia medo, pavor. Tentava desesperadamente falar mais para conter aquilo que acontecia sem nenhum tipo de controle. Eu estava prestes a me entregar quando senti seu corpo atrás de mim. As mãos tamparam as minhas orelhas, fecharam os meus ouvidos. Num único gesto, a proteção e o abraço acolhedor.  Você me segurou junto a você. Não caí. Seu corpo me serviu de amparo. Apoio..
Mais do que parar de falar, você me ajudou a parar de ouvir. O abraço veio pelas minhas costas, invertido, envolvendo a cabeça através dos ouvidos, retendo o redemoinho turbilhonado dos meus pensamentos torturantes.
Dali não quis sair. Só relaxar e dormir. Encostei em você, suspirei e dormi.

Simone de Paula – 21/6/2017

quinta-feira, 22 de junho de 2017

As Horas

Quando sinto demais a sua falta,
percebo que ando em falta comigo.

É preciso escutar o abandono.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Degelo

"Há quanto tempo você não faz uma loucura?"
Leu essa frase no anúncio de vodka no ponto de ônibus indo para o trabalho. Geralmente ia de carro, pois gostava de conforto. Era pouco preocupado com o trânsito carregado, inclusive reclamava disso todas as manhãs, mas não se sentia parte do problema, tinha direito porque trabalhava muito. Usava a desculpa de muitos.
Já estava bravo o bastante por ter que deixar o carro na oficina mecânica, ainda tinha que dividir o ônibus cheio com mais um monte de gente carregada de sacolas. Bufava muito. Mas não deixava de pensar naquela frase. Se sentia meio amolecido, tendo que sustentar uma raiva que carregava há muito tempo e parecia ter se descolado um pouco dele. Detestava vodka, não se tratava disso, mas justamente da loucura que realmente não fazia há muito tempo. Tinha acabado de tomar consciência que se tornou o que dizia jamais ser, um trabalhador burocrata que não faz nada de divertido na vida, só o trajeto casa-trabalho-casa e xinga o chefe dez vezes por dia em voz baixa. 
Chegando no trabalho começou a fazer uma linha do tempo imaginária. Na cronologia, tinham buracos, não lembrava de muita coisa. Percebia lapsos de memória em relação a amigos, professores, namoradinhas, se assustou. Pegou um papel e foi escrevendo retroativamente, ano a ano, queria recuperar as lembranças e principalmente reviver as loucuras que sabia já ter feito. Os seus vinte anos foram maravilhosos, cheios de experiências e aventuras. Vivia duro, em todos os sentidos. Não recusava nada. Lembrou de um amigo com quem saia todo final de semana e agora estava tão distante, casado, com filhos, careca e barrigudo. Mal se falavam, nenhum assunto combinava e a nostalgia dos encontros já não colava mais. O pensamento no amigo puxou uma namoradinha, que vivia dizendo que tinha planos doidos para a vida dela. Teve certeza que poderia reencontra-la, ver se ela tinha seguido os planos. Naquela época ele queria muitas coisas, mas não tinha grana para fazer. Hoje tem a grana e parece não querer mais nada. Essa era a grande questão, lembrar dos sonhos antigos e realiza-los agora. Mas eram coisas tão bobas. Na verdade, eram desejos de um rapaz de vinte anos. Passou o dia meio nostálgico, tristonho, trabalhando em câmera lenta. No ônibus, voltando pra casa, olhava os anúncios para tentar rever o cartaz da vodka. Procurando, achou outro cartaz, dessa vez era um urso polar, num comercial de canal da tv a cabo. Pensou que sempre quis conhecer neve e no Brasil ele jamais teria isso. Naquele momento, o estômago gelou e o coração incendiou, viu o cartaz da vodka na frente dele e decidiu, ia conhecer o bar de gelo que sabia existir na Suécia. Chegou em casa, pesquisou, ia gastar a grana que tinha e que não tinha, mas era uma questão de fazer uma loucura.
No dia seguinte, chegou para o chefe e pediu férias, disse que precisaria sair já na próxima semana. O chefe negou, e ele sorriu. Comprou a passagem, podia ser demitido, era só uma questão de loucura, melhor que não fosse fácil. 
O destino estava se cumprindo direitinho, pois tudo dava errado nos preparativos, pedindo que ele se empenhasse muito, era pra ser coisa de maluco. Vôos com várias escalas para chegar até lá, hospedagem na casa de desconhecidos, pouca grana pra comida. Descobriu que além do bar, teria um festival com bandas que jamais viriam tocar aqui, na terra dele. Comprou ingressos, ia para o festival e passaria dias e noites em claro. Estava quase tudo pronto, mas essa trip tinha que ter companhia, era o resultado de tantos papos nas noites loucas que ele já tinha vivido. Ligou pro amigo, aquele que agora só pensava na família. Sabia que podia levar um não, e que junto viria um tanto de decepção. E foi assim que aconteceu. Pensou na doida, tentou encontra-la nas redes sociais, só assim daria. Nem lembrava sobrenome, mas foi procurando pelos antigos amigos das baladas. Chegou, achou, sentiu de novo o gelo no estômago e o quente no coração. Fuçou no perfil dela, separada, sem filhos, morando na Argentina. Mandou mensagem, quem sabe ela toparia. Ela respondeu, ela riu muito, ela topou. Em dois dias ela estava no Brasil. Se encontraram no aeroporto, sem muito sentimentalismo, parecia que tinham se visto o mês passado. Eram próximos, viveram muito perto na juventude, quando as máscaras são menos pesadas e a intimidade mais fácil. Estavam embarcando quando ele recebeu uma ligação do chefe. Atende, dizendo que está no aeroporto e viajando de ferias. Do outro lado, a gritaria só fez com que ele sentisse mais ainda o prazer da loucura. Desligou, pegou na mão dela, sorriam e entraram na sala de embarque.

Simone de Paula - 16/6/2017


sexta-feira, 9 de junho de 2017

O amor acontece

Se for para o amor acontecer, que seja logo de cara.
Ouvi recentemente a história de uma mulher que desde nova tinha decidido não se meter com as coisas do amor. 
Alguns pensariam que ela desejava entrar para um convento. Mas não, porque nesse caso, teria amor, só que destinado a um deus.
Ela também não quis cuidar dos pais mais velhos ou filhos dos outros, foi viver sozinha, longe dos familiares. Estava decidida a viver uma vida simples, sem maiores afetações emocionais. 
Não era uma questão de ter controle sobre tudo, lidava bem com imprevistos. Era comum colocar o leite para ferver e ir regar algumas plantas e quando ouvia o chiado do líquido no fogão e o cheiro de queimado, saia correndo para apagar o fogo. Se irritava levemente por ter que limpar a sujeira, mas isso não a abalava. 
Também não era limitada ao seu pequeno mundo, fazendo compras nos mesmos lugares evitando novas pessoas na vida. Pelo contrário, quanto mais estranhos, menos contato, menos afetividade envolvida. Vivia no mundo das coisas e não das pessoas. Não era amarga, só não queria vínculos.
Os sobrinhos geralmente a achavam solitária e queriam que ela tivesse algum animal de estimação. Para ela nem cachorro, nem gato, nem peixe, nem pássaro. Não queria companhia e achava absurdo  o bicho ficar submetido e preso pela carência dos homens. Ela não se sentia carente.
Não era chata, mas vivia apenas para si. A vida já exige bastante atenção e trabalho, simplesmente para se manter vivo, não precisa mais do que isso. As donas de casa sabem bem, pois da hora que acordam até a hora de ir dormir, passam o dia todo fazendo coisas que deverão ser feitas novamente no dia seguinte. Comida, limpeza, arrumação, e tudo pede repetição.
Ela também não era uma melancólica que esperava a morte, pelo contrário, vivia. Era comum comentar que mulheres que não se casavam e viviam sozinhas, tinham maior longevidade do que aquelas que se dispunham a sofrer de amores e maternidade.  
Gostava muito de jardinagem, plantas, flores, uma pequena horta. Escolheu onde morar justamente para poder se dedicar à terra e tirar dela os prazeres dos sentidos. Sua casa sempre estava enfeitada com as flores do seu jardim e a refeição tinha algo que tinha sido plantado e colhido por ela. Admirava também os insetos. Abelhas, caracóis, formigas. Conhecia os que eram amigos das plantas e os que poderiam destruí-las. Sabia também como exterminar os inimigos invasores sem usar veneno para si mesma e nem para a flora exuberante que tinha criado. 
Era véspera de natal e a família se reuniria na casa dela para as comemorações. Ela gostava de recebê-los em ocasiões especiais. Estava concentrada no jardim, escolhendo o que ia usar para o vaso do centro da mesa da ceia, quando ouviu palmas no portão. Era um jovem rapaz que sorria e tinha um saco de algodão nas mãos. Ela não era desconfiada e nem medrosa e se aproximou para saber o que ele queria. Ele se apresentou. Tinha mudado recentemente, vindo do interior onde tinha sido criado numa chácara. Comentou que passava diariamente pela casa dela e ficava namorando seu jardim, pois sentia falta da terra e das plantas, porque onde morava hoje só podia ter vasos. No saquinho, ele trazia algumas sementes da sua planta preferida e queria saber se poderia plantar ali. Como se tratava de uma espécie de raiz profunda, seria impossível fazê-lo em um vaso. Ela ficou surpresa e animada. Não tinha imaginado compartilhar seu jardim, mas pareceu uma boa ideia. Enquanto ele plantava, ela observava as mãos dele, prestava atenção aos gestos e as explicações que ele dava sobre aquele tipo de semente e planta. Tudo foi muito rápido e ela se pegou completamente arrebatada pelo tom suave da voz daquele jovem. Quando se despediram, ela sentiu falta de continuar envolvida com o sotaque simples do interior e o conhecimento profundo das coisas da terra. Foi fisgada e nem era um peixe.
No dia seguinte ele veio e ela o convidou para almoçar com todos, afinal, era dia de natal e ele estava longe de casa. Ele aceitou e nunca mais saiu de lá. Ela sabia que não era apenas o amor por ele, mas o amor que compartilhavam que os unia. O desejo apareceu, evidentemente. Eles se relacionara além da fronteira da amizade. Recuaram quando notaram que aquilo poderia se transformar numa batalha de ciúmes e disputa e aceitaram o acordo de paz. O limite era o jardim. Ele propôs aumentarem o espaço disponível para as plantações, pois queria fazer daquilo seu ganha-pão. Foi perfeito. 
Anos se passaram até que um dia ele se despediu, voltaria para o interior, não pertencia à cidade.
Ela imaginava que isso poderia acontecer. Não se importou, as coisas devem mudar de tempos em tempos. Ela tinha entendido porque a tal planta preferida era especial para ele e cuidava dela no seu jardim como forma de agradecimento a ele, por ter provocado nela o amor.

Simone de Paula - 09/06/2017






sexta-feira, 2 de junho de 2017

Protestos, processos

A crise interna era grande. Nem se tratava da luta do desejo com a repressão. O desejo há muito não existia e a repressão já tinha sido desmantelada. Restava agora o pior. Hábito a serviço da preguiça e medo a serviço do vazio. Descrevendo assim não parece, mas era um vício. Tudo é vício, mesmo que nem se classifique como droga. 
Aliás, começou como um desejo que visava transgredir. Seja lá o que for, já era ilícito. Tinha uma lei que proibia fazendo ser desejo.
A lógica que estruturava sua tortura já tinha sido definida. Culpa insistente, desistência, gozo pleno, culpa eterna, racionalização, resistência, tédio, vontade, culpa insistente novamente. Uma bela cadeia. Mais precisamente, uma solitária.
Visto que era um modo de funcionamento, não era novo. Se repetia toda vez que um novo desejo aparecia, sendo arrastado para a organização prisional pré-estabelecida. Dúvida é, cumpre-se a pena até o fim, ganha-se liberdade por bom comportamento ou cria-se uma fuga?
Existia culpa e muita, mas nada que determinasse prisão perpétua. Seus vícios não eram reconhecidos como tal, deixando a brecha que recorta o tempo definir um limite, encontrar o 'chega!'
Na cadeia usada, tem tédio. O tempo fica parado, cessa de trabalhar no sentido do andamento do processo de punição. Parece que há o bom comportamento envolvido, porque na organização, tem sempre uma prévia racionalização que destaca a aceitação. Foi por aí que saía de um vício para outro, ou melhor, reencontrava o vicio com opções variadas.
Mas como seria a fuga? O fugitivo não aceita condições, não se adequa ao sistema, cria uma saída justamente aonde os muros são mais duros. Cavuca, faz buraco de minhoca, conta com o tempo inútil para inventar o escape. Pra isso funcionar, a lei e a culpa devem ficar suspensas, liberando o sujeito para um movimento alternativo. Rebelde, faz graça com a obediência, transgride movido por desejo. Isso tudo não pelo vicio que movimenta a culpa, mas para mostrar desdém à punição, curtir com a cara da cadeia,  montando uma nova organização.
É, parece que todo desejo só pode ser assim porque encontra o que é proibido.
Na reinserção social, ninguém consegue se livrar das marcas do processo. Melhor aceito pelos bons modos, se dispondo a ajustar-se aos costumes. Pior aceito, refletindo um estado que escapa ao controle total. O destino é o mesmo, uma hora você cai de novo na roda que gira produzindo outro cenário para a mesma brincadeira.

Simone de Paula - 02/06/2017

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Respiração

- Lembrei de um dia que você me magoou muito.
- Que dia?
- Aquele, do travesseiro.
- Que travesseiro?
- O que você rasgou inteiro durante o ataque de fúria.
- Ah...verdade, você foi horrível aquele dia.
- Não, eu só não consegui falar.
- O que você queria falar?
- Sobre a minha vergonha de contar para você e para mim que eu cresci achando que o erro era todo meu, assim, só por ter nascido eu já estava atrapalhando, ferindo as pessoas, o que me deixou culpado e triste. Como não sei falar isso, como não sei nada disso direito, sou mais fechado, defensivo, é como eu sei. Jamais diria horrível, isso é coisa sua que também é horrível quando não pode escutar nada a sua volta. E como grita! Com seu berro no meu ouvido, acabei me dando conta. 
- Do que você se deu conta?
- Que eu não fui bom comigo. 

Se abraçam.

Ele: Eu te amo
Ela: Eu também, me desculpe pelo travesseiro.