sexta-feira, 12 de maio de 2017

A rocha

Ela era uma mulher dura, embrutecida. Se vestia com a capa cinza-chumbo da proteção, como os médicos do raio x, que se previnem da radiação. Tinha lhe faltado amor. Amor suaviza.
Não tinha medo, nem limites, só agressão. Escondia no semblante tenso a verdade da sua enorme falta, a dívida que tinha consigo mesma, por não ter sido interessante a ponto de ser, pelo menos, admirada. A vaidade defensiva era constante, mas o olhar melancólico insistia em mostrar a dor, o rasgo no coração.
Ela amou, muitas vezes, esperando o amor de volta. Imaginava que se desse o primeiro passo, poderia encontrar o que tanto buscava. Não deu certo. Mas aprendeu a dar primeiros, segundos, terceiros passos.
Não chora, mas range os dentes agoniada pela insegurança brutal que ocupa toda a sua alma. Pensa de forma reta, direta, sem ruídos que denunciam a vida imprecisa. Desdenha aqueles que se entregam às fraquezas, acreditando que sucumbem ao pior deles mesmos. Não quer nem sentir o cheiro da surdez do fracasso. Se agarra ao mastro ilusório do sucesso como Ulisses diante das belas sereias, mas o canto mágico está dentro dos seus ouvidos e aquela nau segue sem destino. Sem saber, ela deseja, implora aos deuses que uma rocha apareça na sua frente, fazendo a embarcação se chocar com força, libertando sua alma solitária.
Os deuses sempre atendem nossos desejos. A rocha veio com nome e sobrenome, se colocou mais duro do que ela. Desdenhou cada frase que ela dizia e mal olhava nos seus olhos. Ela gamou, ele nem viu. Sofreu, chorou, respirou e estava pronta para retomar a vida, a mesma negando mais uma dor, mais um fracasso no amor. Vestiu novamente o jaleco cinza-chumbo e voltou ao trabalho como de costume. 

Simone de Paula - 12/5/2017



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