sexta-feira, 14 de abril de 2017

Quimeras

O dia é cinza, o clima pesado, passado.
Os últimos tempos têm sido de perdas e lutos. O momento é de passagem.
Hoje é 'sexta-feira santa'. Termina a quaresma, começa a páscoa. Estou nisso, nessa época.
Meu peito dói, meus olhos choram. Meu espírito recluso acompanha a minha alma calada.

É curioso que eu eu tenha acordado com a palavra 'quimera' no meu pensamento. E ela não veio sozinha. Foi muito precisa me lembrando de um fragmento que li há poucos anos e decifrava sua composição: "tudo é parcialmehte verdadeiro e o animal totalmente falso."
Nem me lembro quando ouvi pela primeira vez a palavra quimera. Só sei que cada vez que o som das letras articuladas anunciam aquela imagem eu me ligo. Parece que entro num mundo paralelo, recuperando cada uma das lembranças dos antigos encontros com esse animal simbólico e garantindo que nenhuma das partes falte. A cada novo encontro, mais elaborada fica a minha quimera. É música, é ficção, é ilustração, tudo que possa me dar pistas disso que enigmaticamente revela tanto, sem dizer nada. É tão instigante ver como as partes se articulam, se montam numa forma completa, definida. 
Diante do luto, a quimera. Diante do sonho a quimera. Diante do amor, a quimera. Diante do espelho, a quimera. Diante da céu, a quimera. 
Nunca menti. De todas as minhas recordações, todos os pedaços são verdadeiros, num bom arranjo que jamais alcançará a verdade, mas me permite fazer correr no tempo, a vida maturada no ventre de um touro, as ideias e amores elevados sob as asas de uma águia e os atos movimentados pelas patas de um leão. 

Nesta semana me perguntaram se eu tinha uma paixão secreta. Respondi que variadas formas de paixão secreta existem e que evidentemente, o segredo deveria permanecer guardado, pois que graça existe em revelar as paixões a não ser ao apaixonado em seus devaneios? Eos circula, procura, encontra. Brinca e se diverte. Segue seu caminho. Quando passa, dá passagem a novos mundos de desejos e realidades, incita o movimento, mas pede que se siga viagem, dando motivos para partir, na esperança de chegar. 

Em resposta a frase que insiste, "tá bom, mas isso não é um conto", só temho uma resposta: "conto porque conta". 


Simone de Paula - 13/4/2017

Conto inspirado no livro 'Autobiografia de um espantalho', de Boris Cyrulnik, na música 'Quimeras', do grupo Zero, no comto 'Quimera', de Jorge Luis Borges, e tantas outras imagens e referências. 

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