sexta-feira, 3 de março de 2017

A putinha e o corno manso


Ele tinha comprado aqueles binóculos no mercado de pulgas do final de semana. Era uma aquisição pela diversão, sem grandes intenções. A brincadeira de voyeur de todo neurótico. Mas uma vez com aquela arma na mão, ele aproveitou. Luzes do apartamento apagadas, janelas abertas, era hora de espiar, fuçar, encontrar os segredos dos vizinhos.
Na intimidade, todo mundo mija de porta aberta.
Algumas semanas depois e nada parecia interessante. Só a vida de família, os agrados aos cachorros e gatos e o velho nojento que comia caca do nariz. A repetição das cenas o fez guardar o brinquedinho.
Uns três meses se passaram e durante a comemoração do seu aniversário, com poucos amigos, depois de cerveja e whisky à vontade, alguém se lembrou dos binóculos e pediu para usarem naquela noite. Riam das bobagens dos vizinhos. Até que a namorada do irmão dele, que estava no banheiro, gritou: “aqui na janela do banheiro tem coisa acontecendo’. Todos entraram correndo, enquanto ela fechava as calças e apertava a descarga. Se acotovelavam no box e tentavam ver o que ela tinha achado tão interessante.
Saindo, ela comentou: “ouvi uma mulher gemendo...”. Isso bastou para atiçar o bando de tarados que ali se encontrava. Ficaram em silêncio e ouviram o tal gemido. Dali ficou fácil achar a diversão. Não tinha muito como ver, porque o casal estava deitado na cama. Mas Otávio ficou louco, agora ele tinha o alvo que queria. Prometeu que faria fotos e mandaria para todos.
Nos dias que se seguiram ele ficou de olho. Era um tal de foder pra cá, foder pra lá... Ele imaginou que aquele casal devia estar em lua-de-mel.  Era melhor que programação da tv ou pornografia de internet.
A coisa esquentou. Ele colocou uma escadinha no box e via o casal na cama. Outras vezes, estavam na janela. Quando eles usavam a sala, dava para ver tudo com detalhes. Numa noite clara de lua cheia ele viu que a mulher o olhava e sorria, ela posava para ele.  Quando ele notou que ela sabia dele espiando, e ainda gostava, ele ficou louco. Mandou whataspp para os amigos, mas só depois de bater uma punheta, porque a excitação o impedia de fazer qualquer coisa antes disso.
Se divertia com aquilo toda noite. Sentia que ela era tipo a namorada dele, que o provocava e depois ele ainda dormia feliz.  Começou a sentir ciúmes do parceiro dela, que ele supunha ser o marido. Mas como podia ser aquilo? Ela se excitava com ele, vizinho, e se empenhava em excitá-lo. Mas quem tava ali era o marido. Será que ele sabia? Será que ele se incomodaria se soubesse? Será que ele a mandava fazer aquilo? Que casal era aquele?
Num domingo, depois de uma noite daquelas com a vizinha do prédio da frente, que ele encontrava diariamente na janela do banheiro, ele foi para a padaria, tomar aquele café-da-manhã tardio. Chegando lá, deu de cara com os dois. O casal ali e ele não sabia o que fazer. Se sentiu constrangido. Olhou para ela que o olhou com um olhar cúmplice. Ele gelou, viu que o marido nem o notou e que ela ainda sorria provocante para ele. O que fazer? Nada, sentar, porque agora, com aquela ereção, e ele de calça de moletom, não podia nem se mover direito. Pediu um café e um chapado, quem sabe comendo, aquilo passava. Ela falava com o marido, que realmente não sabia de nada. E ele virou amante virtual? Não sabia se ria ou fugia. Ele estava fissurado nela, queria entrar no jogo, sorrir de volta, trocar olhares cúmplices. Queria tê-la como amante. Percebeu que ela usava a mesma tática sedutora com o garçom e com o pai do bebê da mesa do lado. De traidor, passou a ser o traído. Como ela podia fazer isso com ele? Ele, que todas as noites estava ali, olhando para ela.  Olhou feio e começou a pensar os maiores xingamentos, para ela e para o marido. A putinha e o corno manso na frente dele. Quanto mais ele xingava, mais excitado ficava. Não podia viver sem aquela mulher.  
Comeu rápido o que tinha pedido. Olhou para ela e ela sorriu. Ele desmoronou. Levantou, pagou e saiu. Nem voltou para casa, foi encontrar os amigos, espairecer. Por volta das 22 horas, lá estava ele pronto para encontrar sua amante na janela do banheiro, sem camisa, só de cueca, do jeito que ela gosta.

Simone de Paula – 03/03/2017

Qualquer semelhança com nomes ou situações é mera coincidência.

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