sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Se você encontrar isso, leia!

'Espero que alguém leia isso....

'os dias estão mais sombrios, as pessoas mais fechadas, se olhando com desconfiança.... suspeitam uns dos outros e eu não estou fora disso, também me fecho e olho com dúvida sobre o que pode vir de lá.... são todos próximos, mas não posso confiar em ninguém.'

'amanheceu chovendo... a noite foi barulhenta, estrondos, gritos, muita aflição... eu tentei dormir, mas os sobressaltos foram inevitáveis diante dos acontecimentos da rua... não sei como passarei este dia, mas não resta nada a não ser passar...'

'a noite parece calma, durante o dia trabalhei muito, a vida continua, o trabalho continua, a aparente normalidade faz a gente acreditar que hoje pode ser o último dia desse estado de medo e assombro... o inverno parece mais distante, raios de sol de primavera já mudam o clima... será que meu corpo cansado me faz acreditar que a paz existe? o sono veio, meus olhos querem fechar, espero apenas uma boa noite.'

'hoje nos reunimos para fazer orações e contar histórias para as crianças... cada vez é mais importante que elas carreguem aquilo que não poderemos sustentar por muito mais tempo... cada dia pode ser o último e o que morre conosco, acaba para sempre....será que algum bebê conhecerá seu pai? lembrei do meu pai, se foi há alguns meses e ainda não voltou.. será que volta? não tenho esperanças, nesse estado, nenhum de nós tem esperanças, nem fé, nem amor, só história, é só isso que ainda temos.'

'acordei com muita gritaria hoje e não soube dizer se era sonho ou realidade... pulei da cama e olhei pela casa, através das janelas, mas na rua tudo parecia calmo.. era muito cedo, o dia anunciava sua chegada, mas não daria para dizer que cara teria, se teríamos sol quente ou muita chuva, tudo podia acontecer.... pensei em voltar para a cama, mas meus pés não saiam do lugar e meus olhos miravam insistentes para o horizonte... tentei chamar alguém, acordar alguém, parecia que eu tinha me tornado pedra e aquela aflição foi tão grande que desmaiei... notei que tinha sido um sonho, e eu chorei por alguns minutos na cama, com a certeza que essa era a minha real situação: implorando por um destino, mas sem meios de sair daqui, de me mover.'

'os dias têm sido mais calmos, as noites menos barulhentas, mas a impressão de paz carrega consigo a suspeita de um ataque mais duro, mais feroz... não temos notícias, nem dos nossos, nem do que realmente acontece... saber é sempre melhor do que ficar na indefinição, alguém me diga, por favor,'

'a verdade chegou, fomos invadidos, tomados, nosso futuro agora está nas mãos de inimigos... eu estou nas mãos de inimigos, que me olham com ódio sem nem saber quem eu sou... o tempo se foi, não há mais o que dizer... será que esse é o fim?'

'hoje eu sei, deixarei minha casa, minha vida, minhas lembranças e seguirei com eles, não sei para onde, mas seguirei, não tenho escolha, apenas devo obedecer... se viverei ou morrerei, também não sei, mas devo seguir... o sonho se cumpriu, um horizonte sem ninguém e minha alma petrificada evitando desabar em choro e dor...'

... a você que encontrar isso, repasse adiante e faça vivas as minhas palavras'

Simone de Paula - 16/12/2016



Inspirado na aula sobre mortes coletivas, de 14/12/2016, de Ana Figueiredo, do curso Vislumbres e Miradas da Morte.




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