terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A doce dor da diferença

A percepção da diferença sempre veio com muita dor. Era doído, uma verdadeira mágoa a constatação de ser diferente. Quando pequena, a cor pálida contrastava com a morenice da minha irmã. Acho que foi a primeira diferença vivenciada, mas depois percebemos que a cor da pele era a menor das nossas diferenças. Depois me ouvi falando diferente na escola. Alfabetizada em Salvador, me mudei para uma cidade no interior do Paraná, escutei minha narrativa e logo percebi que meu sotaque era diferente. Talvez, na época não tinha repertório para marcar a posição, mas o fato é que falava diferente e com certeza sentia diferente tambêm. De lá pra cá, a diferença passou a ser minha companheira. Passei os anos da faculdade me sentindo muito diferente da maioria. Não foram "os melhores anos da minha vida", como dizem, mas sim, as maiores angústias que senti. A angústia me engoliu e mais uma vez a diferença machucava. Percorro hoje as inúmeras escolhas que fiz e percebo que sim, a dor da diferença sempre esteve comigo, era a dor de não ser igual a minha família, de não pensar da mesma forma e nem escolher o mesmo roteiro. De não ser igual às minhas amigas, de gostar dos livros que não estavam na lista dos mais vendidos, de me relacionar com a minha angústia mergulhando intensamente e muitas vezes escutando ou só sentindo como incomodava os que estavam em volta. Hoje, acredito que ainda incomodo quando digo que não quero ter filhos, quando tenho uma relação pautada em outros desejos e vivo sabendo que a vida não dá garantias. Que ser feliz não cabe em nenhum roteiro pré fabricado. A maturidade e a independência trouxeram uma nova forma de viver a diferença, hoje mais alegre e mais íntegra. Atualmente a diferença não machuca muito, ela vem quase como um deboche diante daqueles que não entenderam nada do meu percurso. Ela sempre me lembra o quanto é necessário conquistar a autonomia para ser quem se é. E só posso agradecer quem no caminho respeitou minha diferença, pegou na minha mão e hoje percebe que foi na doce diferença que me constitui.
         Carla - 06/12/2016

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