sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Um presente elegante

Aquele foi um presente elegante. Com carinho, com paixão. Escolhido a dedo, levando em conta tudo aquilo que de forma sutil tinha aparecido como um desejo escondido.
O anseio pelos contos e histórias secretas era grande, mas a pressa em fazer poemas explícitos impedia que as palavras discretas revelassem mais do que podia ver diante dos seus olhos.
Ele, o galanteador. Eu, a galanteada. Tudo certo, sem nada mais do que isso. Deleite.
Me pergunto: o que acontece se aquilo que protocolarmente foi dado como modelo de conduta se quebrasse em mil pedacinhos e pudéssemos verdadeiramente viver tudo que se anuncia na nossa frente?
“Se vivemos apenas uma parte da vida, o que acontece com tudo aquilo que não foi vivido?”
Penso eu, se não sabemos dessa parte não vivida, ela parece nem ter existido. Mas quando sabemos disso, por que negar?
Na minha frente essa bela miniatura / iluminura de Sherazade - com as flores de papiro enfeitando seu cenário, suaves almofadas drapeadas no mais rico tom de lilás, num jardim oriental, com plantas e flores coloridas, servindo o mais doce vinho encontrado no reino das mil e uma noites, suscitando a imaginação de jovens apaixonados - me inspira.

Vou te contar uma história...

Numa tarde quente de verão, um jovem senhor se aproximou da professora e educadamente pediu para que ela lhe ensinasse o caminho para a liberdade. Ela achou interessante o pedido e disse para que ele a procurasse após o final da aula, no sofá da biblioteca. Sentados, olhando um para o outro, eles conversavam longamente sobre o presente, o passado e o futuro. Ele insistia em querer ter futuro e com essa a liberdade. E ela o lembrava que a liberdade mesmo estava no passado. Ele falou longamente do passado, viu que algumas experiências eram realmente aprisionadoras, mas mentirosas. Estava tranquilo, mas ainda sem liberdade e nem futuro. A professora entendeu que aquela biblioteca tinha ficado pequena, sombria demais. Sugeriu que o próximo encontro fosse no jardim, no banco próximo à fonte, no silêncio daquele espaço de harmonia. Logo que o jovem senhor chegou, ele trouxe uma bela orquídea e a presenteou de forma elegante e sincera. Ela escolheu o canto esquerdo do banco como o lugar da orquídea e continuaram as conversas. Passaram pela chuva, onde encontravam abrigo no beiral da entrada do jardim. Também tiveram dias muito frios, em que não se abraçaram, mas o olhar cúmplice, e um gole de chá, os esquentava. A orquídea dava flores sem parar. Muitas, abundantes, brancas, coisa atípica para aquele tipo de flora. Um dia, antes da chegada do jovem senhor, a professora mexeu na orquídea, no intuito de deixá-la mais confortável, mas isso gerou um incômodo. As flores murcharam, o caule secou. Ela sabia que o jovem senhor já tinha entendido o sentido da pergunta e o destino dele. Um belo dia, ele não apareceu e ela sorriu feliz, o destino o teria encontrado, ela estava certa disso. Poucos meses depois, ela recebeu uma carta dele, dizendo que estava bem, que tinha sonhado com seu destino e estava caminhando até ele. A professora olhava a flor diariamente. Regava como de costume, não a mudou de lugar, mas permitiu que ela tivesse o seu tempo de fim e recomeço, caso esse pudesse existir. Paciente, consciente, tenente. Mais uma carta do jovem senhor, dizendo que ainda caminhava na direção do seu destino, tranqüilo e persistente, pois sabia para onde ia. Numa tarde de final de primavera, enquanto a professora aquecia a água para seu chá, notou que depois de aproximadamente seis meses, a planta havia encontrado um novo meio de florescer. Abriu um novo caminho, com um caule jovem, cheio de seiva, vivo, com muitos brotos de flores a nascer. Ela sorriu feliz, regou novamente a planta e pensou que o inverno tinha mesmo acabado e que ele estava muito perto do seu destino, um novo, que tinha saído do melhor dele, que habitava no seu interior. Aqueles que não conhecem os processos de perdas e ganhos, de morte e vida, não sabem esperar pela novidade, pelo brotar de dentro, do melhor de si. 

Simone de Paula - 08/11/2016


A frase citada é do filme 'Trem noturno para Lisboa', de Bille August.

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