quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O peixinho nadador



Maria Fernanda adorava peixinhos e aquários. Num sábado ensolarado, comprou um peixe com cara de Nemo, um aquário retangular e pedrinhas coloridas. Levou pra casa. A ideia inicial era arrumar tudo e quando estivesse bem bacana, transportar para o escritório, para a mesa de trabalho. Queria ter um contato com a realidade nas inúmeras horas que trabalhava todo dia. Ela fez um aquário bem bonito e o peixinho nadava muito feliz. Mas, tinha receio de transportá-lo para outro ambiente e ele foi ficando ali, na casa dela. Numa tarde chuvosa, atolada pelas inúmeras tabelas dos orçamentos para ver a empresa lucrar mais, foi chamada à sala do diretor que comunicou sua mudança repentina para a cidade onde a sede da empresa estava localizada. Sabia que não podia recusar. A mudança era imediata. Maria Fernanda tinha uma carreira sólida, reconhecimento financeiro e amava essas possibilidades que só o mundo corporativo possibilitava. Chegou em casa, ligou para a mãe e disse que na próxima segunda estaria em Detroit. No dia seguinte, avisou o dono da casa em que morava que sairia em 3 dias. Tudo foi rápido, tão rápido que ela nem notou o que deixou para trás. Na janela da frente, o sino de vento continuou a balançar, com a melodia suave que embalava as tardes de domingo. No banheiro, o kit de banho esperava para ser jogado no lixo. No quarto, caída no canto da parede, a santinha que tinha ganhado da avó no último aniversário. E na bancada da cozinha, Nemo nadava feliz, sem saber o destino incerto que o esperava. O dono da casa olhou o imóvel e nem mexeu em nada, deixou para o próximo dono cuidar daquilo. O peixe nadava na água parada, comendo uns restinhos da comida colocada no dia do anúncio da mudança. Ele tinha realmente sido esquecido, era o único ser vivo na lista de restos ficados no imóvel abandonado.
 Stella finalmente deixou a casa dos pais, o interior, a vida parada. Vinha toda animada para começar uma fase nova, com possibilidades de ocupação e a vocação para cuidar de gente e bicho. Soube por uma amiga que tinha uma casa disponível e que a locação era direto com o dono, sem necessidade de fiador. Topou!   Ela entrou na casa cheia de energia, de vida. Mística, espiritualista, esotérica, acreditava que nada ali estava por acaso e que deveria se apropriar do que tinha sido abandonado. Olhou a santinha, passou os dedos com carinho e a colocou no novo criado-mudo. O sino de vento ela amou. Passava duas horas por dia lendo e deixando a suavidade daquela melodia entrar. O kit banho ela entendeu que era aquilo que ela deveria jogar fora na vida nova, precisava de limpeza no corpo e na alma e o peixinho ela fez reviver, adotou e rebatizou.  E, como todo mundo era novo ali, colocou Aladim num aquário novo, maior, para ele ter mais espaço. Incluiu plantas e conchas para ele se sentir ‘em casa’, como ela tentava fazer consigo mesma. O tempo passou e Stella estava plenamente acomodada, na casa e na vida. Mas ainda não se via em desenvolvimento, queria mais, queria crescer. E, como mística que era, acreditou que se o peixinho crescesse, ela também cresceria. Stella colocou o peixinho na banheira. Passou a tomar banho na ducha externa, afinal, banho frio faz bem para a pele. No inverno, apelaria para a casa da amiga. O peixinho ficou muito feliz, tinha toda aquela água pra explorar, nadava muito. Stella, além de ler e ouvir o som do sino de vento, olhava para o peixinho apaixonada. Tentava acariciá-lo e até sentia um frisson quando seu dedo passava pelas escamas frias, era sempre um susto sentir aquele corpo. Não se sabia de que espécie era o peixe, nem se era de água doce ou salgada, ela simplesmente o adotou e o tratou da melhor forma possível, e com isso, um fato surpreendente aconteceu: o peixinho virou um peixão. Stella estava nas nuvens, tinha conseguido um feito inédito e a vida dela iria dar um salto. E deu mesmo, pois uma ONG a convidou para fazer parte de algumas atividades em que ela poderia mostrar seu trabalho e seu propósito de vida. Ela estava cada vez mais conectada com pessoas e com o mundo e realmente tinha que colocar Aladim para voar. Num dia chuvoso, olhava pela janela pensando em qual deveria ser o próximo passo. Notou que a água caía e renovava tudo. Decidiu colocar a banheira no jardim. Voltou a ter um banheiro com ducha quente, e o peixão sentia o calor do sol, o frescor do ar, as gotas de chuva, o brilho da lua e das estrelas. Ele estava se reintegrando à natureza. Ela feliz, apaixonada e dando o melhor ao amor da sua vida. Mas, uma tragédia aconteceu e num dia de tempestade, o galho da árvore da rua caiu no quintal de Stella, em cima da banheira, quase matando Aladim. Ela sabia que era uma questão de tempo, ela teria que levar Aladim dali. Chamou um amigo da ONG, Rafael, que era biólogo. Rafael investigou o peixão e disse que se tratava de um peixe de mar. Combinaram num domingo próximo para levarem Aladim de volta ao seu habitat. Como transportá-lo? Rafael se encarregou de achar um aquário para fazer os trâmites. Ela se despediu de Aladim na beira da água, chorou, secou o rosto e sorriu para Rafael. Agora ela seguiria numa nova fase da sua vida, pronta para o que pudesse acontecer. Dois anos depois, Stella volta para aquela mesma praia com Rafael e a pequena Diana, que vinha conhecer a casa de Aladim, o ‘peixão da mamãe’.

Simone de Paula - 01/09/2016
 

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