sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Nem dito, nem dizer

Minhas palavras estão desgastadas.
Tenho usado muitas delas repetidamente, exigindo muito, esforçando-as a darem mais e mais daquilo que elas mesmas significam.
Eu mesma as ouço, as vejo, as penso, multiplicando sua função e desbotando sua potência.
Me coloquei a serviço da linguagem, de processá-la ativamente na busca de sentidos, velhos, novos, explícitos, discretos. Traduzir, transmitir, insistir. Nessa obstinação, começo a sentir falta de mentir, de usa-las pela via do sem sentido, amalgamando-as com algo a mais que enriqueceria suas cores ao invés de empalidecer-las. No entanto, elas tomaram tamanha importância enquanto palavras que dizem, que eu não vejo meios de silenciá-las.
As palavras vão permanecendo as mesmas, aquelas que ouço, as que falo, as que penso. Já sei muito delas, e quando as percebo de novo, repetidas, insistentes, óbvias, noto uma ponta de vergonha acender no meu íntimo. Logo me vem o furor de um pensamento acusatório que me força a reconhecer que estou usando de novo essa mesma palavra, com esse mesmo sentido, beirando a falsidade daquilo mesmo que eu verdadeiramente digo.
A palavra não brota de lugar nenhum, ela vem do outro. Dos seus lábios, de sua mente, do seu desejo. A articulação do ar através de boca e língua que ressoa pelo ambiente e entra em mim perfurando canais e explodindo em novos sentidos. Ou mesmo aquele pensamento, que traduzido nas letras encadeadas, surpreende pela leitura de uma frase. O novo produzido em mim pelas palavras do outro é possível, pois não há novo em mim sem outro.
Recebo muito, mas preciso mediar e só tenho as minhas mesmas palavras. 
O que ouvi era tão distinto que nem reconhecimento fonético era possível. É como se aqueles sons não tivessem letras compatíveis e não pudessem se ligar na minha prévia estante visível.
Eu posso saber, entender, até opinar, mas não capto algo mais íntimo contido naquilo que estava sendo dito,p. O som desconhecido. O outro era outro. Não podia funcionar como semente de letras, palavras, frases formadoras de um jardim riquíssimo de sentidos. Mas algo ali ainda podia fazer uma conexão, afinal, aquele som entrou em mim com novas formas, atravessaram meus olhos, se acomodaram, estão aqui. Cabe a mim diante daquilo que me causaram, achar uma forma possível de saída.
Sinto falta das palavras do outro, do novo que ele pode pronunciar, do sopro que ele pode me insuflar, da vida que ele pode fazer brotar.

Simone de Paula - 19/9/2016

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