quinta-feira, 28 de julho de 2016

Single



Helena olhava as gôndolas do supermercado e tinha muita dificuldade em escolher o que ia levar.
Pensava que precisava de itens para o café-da-manhã, mas um pacote de torradas duraria muito tempo e ela teria que comer as integrais mesmo querendo um dia ou outro a ‘sabor castanha’. 
Notava que nas prateleiras os produtos tinham se multiplicado muito, especialmente em relação ao que tinha disponível na infância. Mas, ao mesmo tempo, ela achava inviável comprar tantos itens pra uma pessoa sozinha.
Ela gostava de ser single na vida. Não precisava discutir o filme que iria assistir, nem o destino da viagem de férias. Mas pagava um preço alto por isso. E era um preço de verdade, porque ser single custa mais caro do que ser double ou family.
O modelo social é o da abundância e ela não cabia nele. Parecia um peixe fora d'água, visto que a sociedade não era receptiva com essa postura singular. Tudo é massificado, 
Ela não tinha problemas de relacionamento, coisa que se poderia imaginar de uma pessoa que opta por estar sozinha. Tinha família, irmãos, amigos e até uns namoradinhos de ocasião. Só não queria dividir casa, comida e roupa lavada com ninguém. Desde quando começaram a imaginar que optar por viver sozinha era algo ruim? Aliás, isso acontece especialmente com as mulheres, porque homens vivem só e ninguém se ocupa muito de atribuir-lhes solidão, pelo contrário. No máximo fofocam sobre a sexualidade deles. Enquanto as mulheres são dadas como 'chatas, rabugentas'. Que meio difícil!
Helena não queria mudar nada em grande escala, pelo contrário, queria poder viver nas pequenas escalas. Inclusive, transformaram a lógica das escalas, como se a natureza das coisas fosse do tamanho family e devessem ser divididas caso se quisesse menor. O tamanho single nem tinha existência e pela excentricidade dele. Deveria ser criado especialmente para esses seres estranhos que vivem só.  
Naquela noite, no supermercado, Helena percebia mulheres e homens sozinhos com suas comprar. Pelos produtos nos carrinhos sabia quem era sozinho e quem estava ali comprando para um casal ou uma família. Ela notava, porque os poucos itens tinham cara de que eram grandes demais para o desejo dos consumidores, mas na falta de coisa melhor, escolhiam o mais básico. Se vai durar mais, que seja o menos específico.
Helena chegou em casa, abriu a janela e ouviu o barulho de fora e o silêncio tranquilo de dentro. Não ela não tinha nem cães, nem gatos, só a sua própria vida para ser vivida num mundo feito para grupos. 

Simone de Paula - 26/07/2016

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