quinta-feira, 14 de julho de 2016

Sampa

Início da manhã, centro de São Paulo, pão na chapa, expresso. Estava sentada no banco alto, onde meus pés nunca encontram apoio,  na minha frente uma farta exposição de coxas creme, esfirras, kibes, empadinhas, bolovos e um pernil inteiro. O barulho da louça se confundia com o vapor saindo da máquina de café, os homens falavam alto, a mulher ao lado escolhia um enroladinho enquanto contava dos seus 30 anos de trabalho, nenhuma falta, nenhum atraso, nunca houvera sequer um atestado. Agora ela precisa falar, exclamar o orgulho de si mesma diante de um café da manhã solitário buscando algum conforto atrás do balcão.

Tenho que ir para Vila Mariana, me perco. Vou do lado errado do mapa e me vejo em frente a um parque pequeno, nunca estive ali, fico contente em perceber que não era só um lugar novo fora de mim, sei que dentro ainda existem possibilidades das quais razão nenhuma me farão conhecer.

Já era hora do almoço. Contra acebolado, arroz, farofa, salada de alface e tomate, óleo composto completamente duvidoso. A garçonete me pergunta se a água com gás vai ser gl. Gl? Sim, senhora, gelo e limão. Claro, gl para o dia quente, sol no asfalto. O movimento na Domingos de Moraes é grande, continuo andando, escuto o ônibus, as conversas da calçada, pamonha e cural anunciados. 

Me lembro dos trilhos de Mumbai, da língua incompreendida da Índia, das multidões das ruas, dos olhares curiosos, incessantes, dos que me perguntam quem era eu ali.

Volto para Pinheiros, desço na estação Clínicas. O final do dia mostra os rostos cansados, a pressa para entrar e sair. A pressa do descanso. Me reconheço. Sou parte. 

Quanto café faz a gente chegar?
Quanta lembrança não deixa a gente sair?

Quem está de volta é outra, em processo. Estou aqui.
E então percebo, meu afeto condutor. Minha fome reconhecida.

A noite o jantar foi preparado em casa, era um molho de tomate com manjericão, mas entre os minutos do fogo baixo, posso dizer que coube a cúrcuma, o óleo de côco, o gengibre fresco, a pimenta, o coentro, garam masala. Desse macarrão não vi na Índia, nem no Brasil, foram mais de 30 anos, com muitas faltas e atrasos, no entanto recheados de presença. Como a que sinto agora, quando me ardem os sentidos. Como me arde o amor.

Maria Laura

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