quinta-feira, 21 de julho de 2016

Estou te vendo

Caixa do banco, limite da hora para pagar a conta, limite da conta para pagar a conta.
Um senhor se aproxima, deve ter mais de setenta anos. Está de terno amarelo ou amarelado. Usa um óculos antigo, grande, lentes grossas incapazes de disfarçar a profundidade, algo triste. Usava gravata, maleta, cabelos penteados com gel, brancos, suados. Ele fala comigo, estou desempregado, me ajude, pode me ajudar?
Nós dois, ali, me desculpei, saí.

No entanto, ele continua na minha frente. Até hoje, agora. 
Deve ter uma família, deve ser só, pode ser avô e só viu o neto uma vez, às escondidas, enquanto o garoto abraçava o pai depois do futebol no campo improvisado da praça.
Talvez tenha uma mulher em casa que o espera de forno ligado enquanto as batatas não chegam. Essa mulher o abraça, diz que a vida tem muito a ensinar, que tudo há de melhorar, que das armadilhas do destino sairão fortalecidos.
Ela fala, mas não acredita.
Sabe que estão diante da escassez.

Os corpos fracos, as mãos enrugadas tocam-se antes de dormir. 
Talvez sonhem com a fome ou com um afeto. E depois acordam assustados, desesperados em busca de fé. 

O pão está guardado para a manhã.

Maria Laura

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