quinta-feira, 5 de maio de 2016

O trem



Ontem no trem de Mumbai perguntei para uma garota se estava no vagão certo, ela me responde que sim, busco por um lugar sentada, coisa que pode valer quase ouro aqui na Índia. Entro correndo, me despeço da Tati ali fora enquanto ela tira uma última foto e então começo a olhar as minhas companheiras de viagem de Churchgate até Malad pela Western Line, ouço suas vozes estridentes, sinto o cheiro de um dia todo de trabalho envolto em tantas cores, tecidos e um cortante sol, mastigam comidas picantes e fritas enroladas no jornal, falam no celular, entram ambulantes, brincos, pulseiras, mulheres seguram os filhos tropeçando, até camarão fresco passou pela venda, deve ser uma longa jornada pensei, a de cada um.

Já estou acomodada quando a mesma garota volta, entra onde estou e me diz que está errado, esse trem é da linha rápida e não vai parar em todas as estações. Começo a me movimentar quando do meu lado uma outra pega meu braço e diz para ficar, ela é jovem, tem um lenço cobrindo todo rosto, mas seus olhos ficam em evidencia, assim como a força de suas palavras. Elas conversam em hindi, uma explica para outra que ele irá sim onde preciso, que a linha rápida é até o meio do caminho, falam como se cada uma defendesse uma causa, a velocidade, o destino, a hora de descer tornaram-se questões importantíssimas ali. Agradeço as duas, me sinto protegida por elas, é a verdade do trem. As vezes parece uma briga, mas do jeito de cada uma, do jeito delas no mundo, estão apenas argumentando. 

Venho todo o caminho pensando no dia que tive com minha amiga pelas ruas da Índia, pelo bonito de ser alguém que conta com alguém, pela coisa simples e amorosa que é saber-se em um terreno de solidariedade, mesmo que não o veja com frequência, saber que essa terra não tem nome, ela pode ser qualquer parte do mundo, se o mundo mora do lado de dentro.

Era noite, Malad estava próxima, a pequena muçulmana se levanta em Goregaon, ela já vai sair, guardou o celular, atravessou pernas e saris, chegou até a porta, ia partir, antes disso se virou, olhou nos meus olhos e quase me disse
: pronto, logo é a sua hora de saltar, eu fico aqui. Está tudo bem.
Eu olho para ela e digo em hindi: tatá! Ela sabe que me despeço, agradeço e confio não só em nossa troca de sorrisos, mas em uma troca de carinho de longe que nos demos, ouvimos e nos soubemos.

Cheguei em casa acompanhada.



 

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