terça-feira, 5 de abril de 2016

Como contar - parte três

(...) As viagens sempre organizaram as minhas histórias, sentimentos, desejos e angústias. Era o movimento de tomar distância e ver o todo. Essa viagem "às escondidas" não estava sendo diferente. Ao menos na intenção.

No dia do embarque, senti o de sempre: aquele frio na barriga do que estaria por vir, do que iria ver e do que estava ficando para trás, com um gostinho a mais que só em segredo podemos experimentar.

O voo foi muito tranquilo. Levei um livro e dormi por muitas horas. Chegando lá, desembarquei com uma sensação de conquista e fui em busca da minha mochila. Apareceu logo de cara e pensei: essa viagem está sendo como eu precisava. Já de mochila nas costas e quase na saída do aeroporto, tudo aconteceu. Não consigo estabelecer uma continuidade na minha memória. Lembro que estava saindo do aeroporto e no segundo seguinte já havia caído.  Estava no chão. Não consegui reconstituir a narrativa. Estava andando e...? Por quê estava no chão? Não consigo completar essa lacuna. Estava estatelada no chão, não via muita coisa, tudo era uma fumaça só. Fiquei imóvel, sem ver, respirar e sentir absolutamente nada, não sei por quanto tempo. Os sons começaram a chegar em mim. Escutei gritos, choros e senti uma mão me puxar. Era um rapaz, que me perguntava descontroladamente se eu estava machucada. Pensei: como posso estar machucada? Só estava saindo do aeroporto, andando calmamente. Quando levanto meus olhos para ver em volta, só consigo responder: estou viva.

Formou-se um grupo de quatro ou cinco pessoas e resolvemos ficar juntos até entender o que estava acontecendo. Por decisão unânime, iríamos sair do aeroporto. Só não imaginávamos encontrar lá fora a mesma destruição. Não sei falar o que estou sentindo, passadas doze horas de tudo e já instalada em um lugar “seguro”. Não consigo sair daquele aeroporto destruído. Um policial me avisou que teria 15 minutos para ligar para o Brasil e avisar o que havia acontecido. Eu não sei como contar, ninguém sabia que eu estava ali. Tenho a impressão de ser um personagem que entrou na história errada. A ligação completa e só consigo falar: estou viva!


Carla - 05/04/2016

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