quinta-feira, 24 de março de 2016

Maria re



Aap ka nam kya hain?
Quer dizer: Qual o seu nome?
Ao pé da letra: Que nome compõe sua identidade?
Respondo, mera nam Maria re.

Repito isso a quatro ventos, como se fosse um bom dia, orgulhosa do meu avanço nas lições de hindi. As pessoas acham graça do meu sotaque, da minha falta de jeito tentando impor fofura em uma fala áspera pela sua própria natureza. 
Me ajudam na pronúncia, repetimos juntos.
Uma frase simples se transforma na porta de entrada. Bato três vezes, peço permissão.

Entramos.

Aqui do outro lado, desse lado do mundo, nada é uma referencia sabida. Ninguém imagina se sou do dia ou da noite, se meu cabelo conta do meu trabalho, se estou mais para música do que para o silêncio. Não tenho medida definida.
Estou desatada de molde. Desmodelada diante do olhar do outro e da sua cultura.
Em busca de espelhos para Maria re definir.

Deixar ir e.
Deixar chegar.

Assim sou recebida pela Índia.

Outro dia conheci Panki, uma garota linda de 28 anos, nascida e criada em Mumbai, socióloga, em profundo comprometimento político e moral com sua história e país. Ela não me diz seu sobrenome, não diz a quase ninguém. 
Onde está sua identidade?
Ela mesmo assim não vai dizer, porque não quer ser reconhecida pela sua casta.

Aqui os sobrenomes determinam a casta que você e sua família pertencem, sistema de divisão social estabelecido há mais de dois mil anos, onde você é imediatamente classificado, pertence a um lugar ou outro, louvado ou humilhado. Seu destino está traçado e pouco poderá fazer diante disso.
Uma amarra triste e quase intransponível.

Ela me conta de seu trabalho, da voz que não pode calar diante do que vê, da sua profunda dor, a dor da desigualdade.
Seus olhos baixos apenas se levantam para me dizer com sincero orgulho:
Viver na Índia não é só viver, é viver e lutar.

E luta bravamente diante do desejo de ser o próprio desejo.

Homens, mulheres, claros, escuros, ricos, pobres, hindus, mulçumanos, cristãos, budistas, um deus, mil deuses, intocáveis. 

Todos habitam.

A diferença mora dentro de mim.
Entre o que vejo e o que não sei.
O que sei e não toco.
Entre o que imagino e nunca saberei.

Minha identidade está em plena composição.

Dança entre nomes e mundos.
Hoje é o dia do festival das cores. Corpos e ruas estão pintados.
Celebremos, todas as cores e corações.
Misturando-se, nutrindo-se, entregues.
Me entrego.

Happy Holi!




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