sexta-feira, 11 de março de 2016

Caquinhos de Voz

Os olhos se fecham, os ouvidos não.
Passou a juventude abrindo os olhos. Tentando ver melhor, olhar por buracos e frestas, encontrar segredos que pudessem despertar sua emoção. Via muito, ouvia pouco.
Era surda para o que estava sendo dito, visto que só via.
Fragmentos de cenas, pedaços de imagem, recortes de revista, tudo no intuito de formar uma imagem perfeita, que encaixasse na cegueira dela.
Um dia, a cegueira chegou de fato, mas não apenas porque os olhos já não respondiam aos anseios do olhar, mas porque ela não sentia mais luz e brilho no mundo que a atraísse para algum lugar. Parou de tentar enxergar, descobriu que tinha muito que ouvir.
Ouvia tudo que podia, mas já não usava a lógica da busca do som perfeito. Ouvia as pausas entre as frases, as brechas entre as palavras e até o intervalo entre as sílabas. Podia perceber cada letra sendo pronunciada. Notou que um canto se misturava com uma buzina e entre eles tinha uma risada, uma pisada e uma confissão. Tudo se misturava, era uma sinfonia numa bela sintonia.
Se divertia esperando pelos sons todos os dias. Mas a graça acabou, a surda ouvia, mas não tinha mais o som que a atraia. E no silêncio forçado, encontrou o frio que ardia e o fim que já existia.

Simone de Paula – 09/03/2016

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