quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Ouro Chico, Preto Rei

Era Copa do Mundo. Chovia.
Me lembro de contar, aconchegada no teu colo.
Um trovão do lado do outro.
Eram minhas férias, em Ouro Preto, no meio da praça principal, eu e os gatos pingados diante de um telão acinzentado.
Desejava uma alegria que não sentia, porque não apagava mais as coisas que tinha visto pela cidade.
Quer dizer, tinha uma cidade impressa dentro do meu corpo
Uma parte minha. Uma ladeira escondida.
Foi que descobri Chico Rei e não sabia nada dele.
E pensar que se não fosse ele, sua mina, todos os gritos, eu nem teria te conhecido.
Era só o começo. Era antes do começo.
Depois de visitar as senzalas, se prestar bem atenção as paredes de pedra continuam falando contigo, sussurram suas histórias de sangue. Que você não pensa, não lembra, nem sequer sabe.
Eu sabia outras coisas.
Da sede que tomava, da sola que aperta o chão. 
O tronco da árvore vai cair. Jajá.
O que eu não percebi, é que havia uma construção bem na minha frente. Não a via.
Quem cavou, urrou, foram esses pequenos pedaços da memória que falha, quem nunca existiu. 
Lembrados pela algema de ferro, uma na mão outra no pé. Pescoço, cintura, tronco, alma.
Não tinham nem nome.
Eu ouvia o machado. Escavadura.
Poderia ficar horas ali, e quanto mais horas, mais perguntas.
Não tenha pressa para ouvir. Hoje em dia eles não costumam mais atropelar as palavras.
Virou museu. 
A palmatória que punia a mão, tantas mãos, está lá.
Não se vê a mulher, seu medo, mas estão lá também. 
Onde pode deixar o desespero de se saber morto enquanto respira? 
...
O futebol começa.
Uma vontade de gritar, da coisa toda explodindo.
Mas não faziam gol e eu não tinha coragem de berrar: Vai Chico Rei! 
Não se sabe nem que rosto ele tinha, dizem estar estampado na mata, é cara de vento, sem forma.
Era um rei. Feito escravo. Não sabia mais do sol. Enterrado.
Dia e noite. cavava a mina, suava a mina, cavava a mina.
Um dia ele encontra uma coisa. 
Uma coisa para se lapidar.

Um sim. 
Ouro.
Parece que camuflou até onde pode.
Depois assumiu o que encontrara, na sua devida hora, valiosos subterrâneos esses.
Uma senhora lenda e um novo reinado. 
Chico de novo! Chico do povo rei!
Cantaram todos!
Eu também.

Sabe por que eu te amo?
Para ser livre.

Maria Laura



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