terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O tempo que não me pertencia.

Estranhei a presença de todos no aeroporto, mas nunca esperava receber tal notícia. Entre abraços, beijos e choros um dos meus irmãos tomou coragem e falou: "Nosso pai faleceu no mês passado."

No momento exato da notícia não consegui me concentrar na informação da morte do meu pai. Só consegui pensar onde estaria no mês passado. Já faz algum tempo. Quem eu era no mês passado? Não me comovi com a notícia, apenas flutuei nesse tempo que existiu entre o momento da morte e sua notícia. Nem sequer perguntei como ele morreu ou o que aconteceu. Só pensava em como vivera um mês inteiro com a ideia de que tinha um pai vivo. Fiquei um mês sendo filho de um pai morto sem saber. Depois, consegui perguntar algo: onde ele está? Ou melhor, onde foi enterrado? Enquanto perguntava, dentro de mim estava fazendo um enorme esforço para tentar encontrar onde eu estava há um mês. E a primeira coisa que lembrava é que estava em um país que não era meu, mas com a sensação de ter encontrado um lugar.

Sentei na mala, o único objeto que me dava referências. Sabia exatamente o que tinha trazido. Arrumei de forma sistemática tudo que iria me acompanhar nesse retorno temporário para resolver questões burocráticas. Só não imaginara que teria que resolver a ausência total de burocracia quando se tratava da morte do meu pai. Diante de mim, uma família que vivenciou toda a burocracia, ritos e encontros que uma morte exige - obituário, corpo, velório, enterro, missa de sétimo dia e de um mês. Eles todos sabiam onde estavam no mês passado e eram detentores de um acontecimento que não me pertencia. Eles choravam ali um pai que tinha morrido e eu chorava um tempo de um pai morto.

Me senti excluído e impossibilitado de viver tudo aquilo. Teria que matar meu pai sozinho, sem corpo e acontecimento, com retalhos do que escutaria e do que vivi no último mês. A notícia não anunciava nada naquele momento. Teria que ficcionar a minha história, o meu momento de perda. Não havia
perdido meu pai ali, quando minha família me dava a notícia. Perdi meu pai em um tempo que vivia
sendo filho de alguém morto.

Carla Paiva - 12/01/2016

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